domingo, 15 de janeiro de 2012



João Calvino 

(Noyon, 10 de julho de 1509 — Genebra, 27 de maio de 1564) foi um teólogo cristão francês. Calvino teve uma influência muito grande durante a Reforma Protestante, uma influência que continua até hoje. Portanto, a forma de Protestantismo que ele ensinou e viveu é conhecida por alguns pelo nome Calvinismo, mesmo se o próprio Calvino teria repudiado contundentemente este apelido. Esta variante do Protestantismo viria a ser bem sucedida em países como a Suíça (país de origem), Países Baixos, África do Sul (entre os africânderes), Inglaterra, Escócia e Estados Unidos da América.
Nascido na Picardia, ao norte da França, foi batizado com o nome de Jean Cauvin. A tradução do apelido de família "Cauvin" para o latim Calvinus deu a origem ao nome "Calvin", pelo qual se tornou conhecido.
Calvino foi inicialmente um humanista. Nunca foi ordenado sacerdote. Depois do seu afastamento da Igreja católica, este intelectual começou a ser visto, gradualmente, como a voz do movimento protestante, pregando em igrejas e acabando por ser reconhecido por muitos como "padre". Vítima das perseguições aos protestantes na França, fugiu para Genebra em 1536, onde faleceu em 1564. Genebra tornou-se definitivamente num centro do protestantismo Europeu e João Calvino permanece até hoje uma figura central da história da cidade e da Suíça.
Martinho Lutero escreveu as suas 95 teses em 1517, quando Calvino tinha oito anos de idade. Para muitos[quem?], Calvino terá sido para a língua francesa aquilo que Lutero foi para a língua alemã - uma figura quase paternal. Lutero era dotado de uma retórica mais direta, por vezes grosseira, enquanto que Calvino tinha um estilo de pensamento mais refinado e geométrico, quase de filigrana. Citando Bernard Cottret, biógrafo (francês) de Calvino: "Quando se observa estes dois homens podia-se dizer que cada um deles se insere já num imaginário nacional: Lutero o defensor das liberdades germânicas, o qual se dirige com palavras arrojadas aos senhores feudais da nação alemã; Calvino, o filósofo pré- cartesiano, percursor da língua francesa, de uma severidade clássica, que se identifica pela clareza do estilo".

Biografia
Família
O avô de João Calvino morava nas proximidades de Noyon. Teve três filhos: Richard (Ricardo), que foi serralheiro e se instalou em Paris, Jacques (Jaime ou Tiago), igualmente serralheiro e, finalmente, Gérard (Geraldo) Cauvin, pai de João Calvino, que foi aquele que talvez mais se destacou dos três, tendo feito carreira em Noyon como funcionário administrativo.
Gérard Cauvin estabeleceu-se em Noyon em 1481. Foi inicialmente um simples secretário do restaurante Ataliba. Seria, depois, advogado do Diabo representante do bispado de Nyon; mais tarde, funcionário relacionado com a cobrança de impostos e, finalmente, o promotor (representante) do bispado, antes de entrar em conflito com este. Faleceu em 1531 após uma disputa com o bispado, pela qual foi excomungado. A mãe de Calvino, Jeanne Le Franc, de seu nome de solteira, era filha de um dono de uma hospedaria em Cambrai, que tinha enriquecido. Jeanne faleceu em 1515, quando João Calvino tinha apenas 6 anos de idade.[2]
Gérard e Jeanne tiveram cinco filhos:
•             Patricia [carece de fontes]
•             Charles (Carlos) - o mais velho, foi padre. Morreu em 1536.
•             João Calvino.
•             Antoine (Antônio) - iria mais tarde viver em Genebra, junto do irmão.
•             François (Francisco) - morreu ainda em tenra idade.
Haveria ainda duas irmãs, que nasceram do segundo casamento de Gérard. Uma chamou-se Marie (Maria) e iria também viver em Genebra. Da outra irmã sabe-se pouco.
João Calvino nasce a 10 de julho de 1509, nos últimos anos do reinado de Luís XII. Frequentou inicialmente o "Collège des Capettes" em Nyon, onde adquiriu conhecimentos básicos de latim.
Em 1 de Janeiro de 1515 o rei Francisco I de França (François, roi des françois), sucedeu a Luís XII. Inicialmente moderado em matéria de religião, a postura deste rei foi endurecendo ao longo do seu reinado, terminando na perseguição declarada aos protestantes.
Pela Concordata de Bolonha, assinada no início do seu reinado, o papa Leão X concedia ao rei da França o direito a nomear os titulares dos rendimentos da igreja. Em contrapartida, o Papa via reforçados os seus direitos sobre a Igreja em França.
Transferência a Paris
Em 1521, com doze anos, João Calvino ganhou o direito a uma "benefice", ou seja, um rendimento anual que era concedido a elementos e familiares da hierarquia da igreja. No seu caso, consistia numa determinada quantia anual de cereais pagos por uma comunidade de La Gésine .[3].
Em 1521 ou 1523 (data incerta) o pai enviou-o a Paris. Terá provavelmente vivido inicialmente com o tio Richard, na zona de Sain-Germain-l'Auxerrois. Calvino começa por frequentar o Collège de la Marche, onde foi aluno de Maturin Cordier, um grande pedagogo do tempo. Estabeleceu, aí, amizade com as crianças da família d'Hangest, do bispo de Noyon, que se assumia, de certa forma, como protector dos Cauvins. Os seus amigos eram Joachin (Joaquim), Yves (Ivo) e Claude (Cláudio), a quem mais tarde dedicaria o seu comentário a "De Clementia" de Séneca, um autor conhecido pelo seu estoicismo.
Foi, de seguida, admitido no Collège Montaigu, uma escola de má reputação, conhecida pela sua rigidez, pelas sovas e má comida. A lista de professores em Montaigu, nesta época, incluía o espanhol Antonio Coronel e o escocês John Mair (que foi professor de Inácio de Loyola), mas não há provas definitivas de que eles tenham sido professores de Calvino.
Em fevereiro de 1525, o rei Francisco I foi encarcerado temporariamente em Pavia pelas tropas do imperador Carlos V. Com a intervenção do papa Clemente VII a favor de Francisco, a influência papal junto do rei de França aumenta consideravelmente. Numa bula de 17 de Maio de 1525 dirige-se a Francisco para que tome providências contra o crescente número de "blasfemos" em França e contra os ataques a imagens religiosas.
Em 1 de Junho de 1528 teve lugar em Paris o caso da Rue des Roisiers. Uma figura de madeira situada nessa rua (uma madona) foi decapitada por desconhecidos. O rei reage de forma veemente, organizando procissões, que passaram a ser repetidas anualmente. O incidente ainda era lembrado no século XIX.
Vida em Orleães
Em 1529, pouco antes de atingir os vinte anos de idade, a vida de Calvino sofreu uma súbita viragem. Vindo inicialmente para Paris com uma renda anual concedida pela Igreja, com o fim de estudar Teologia, ficará a saber que o pai mudou de planos em relação ao seu futuro e quer que ele siga Direito. A "ciência das leis torna normalmente ricos aqueles que se debatem com ela", referia o seu pai (ele próprio um advogado do bispado), segundo as próprias palavras de Calvino.
Cumpriu a vontade do pai e foi estudar Direito para Orleães, mas nunca deixou de preferir a teologia. Como disse mais tarde: "Se Deus me deu forças para que eu cumprisse a vontade de meu pai, determinou ele pela providência oculta que eu tomasse finalmente um outro caminho" (o da Teologia).
Inicialmente Calvino preparava-se para ser padre, enveredaria pelo estudo do direito, mas Deus trouxe-o de novo ao caminho da Teologia.
O biógrafo francês de Calvino, Bernard Cottret, escreve: "Direito e leis: Calvino, o teólogo, é no fim, também, Calvino, o jurista. O seu pensamento fica marcado pela austeridade, a adstringência e a geometria da lei, pelo seu fascínio ou aspiração a ela. No início do século XVI assiste-se no Direito a uma verdadeira revolução. A retórica de Cícero toma a primazia sobre a filosofia medieval, que se sustenta nos seus silogismos. Com a interpretação de textos jurídicos, Calvino toma contacto pela primeira vez com a Filologia humanista". O humanismo e o renascimento são, pois, os movimentos culturais que o vão influenciar em primeiro lugar.[1]
Em Orleães, Calvino foi influenciado pelo seu professor Pierre de l'Estoile.
Em 1529, dirige-se também a Bourges, para assistir a aulas do famoso professor de direito italiano Andrea Alciati, onde também assiste a aulas do alemão Gräzist Wolmar, que o entusiasmou pela literatura grega da antiguidade.
Em 1529, Louis de Berquin foi queimado vivo em Paris, numa altura em que o rei, Francisco, estava fora da cidade.
Em 1531, Calvino, num prefácio ao livro de um amigo, toma partido pelo seu professor Pierre de l'Estoile num texto que explora a disputa entre este e Andrea Alciati, talvez por lealdade e nacionalismo. O que prova que o Calvino de 1531 ainda não é um reformador mas, acima de tudo, um humanista. Neste mesmo ano morre o pai, Gerard Cauvin. Calvino vai a Bourges, a Orleães e regressa de novo a Paris, onde se instala em Chaillot.
 O humanista Erasmo de Roterdão também se interessou pela obra de Séneca.
Em 1532, foi doutorado em Direito em Orleães. O seu primeiro trabalho publicado foi um comentário sobre o texto do filósofo romano Séneca "De Clementia"[3]. Calvino cobre os custos da publicação do livro com dinheiro do seu próprio bolso. Aos 23 anos era já um famoso humanista, seguindo os passos de Erasmo de Roterdão, que também escreveu sobre Séneca nestes anos. Em "De Clementia" não há da parte de Calvino uma alusão explicitamente religiosa. É antes uma obra que reflecte o estoicismo de Séneca e a predestinação no sentido estóico. Séneca escrevera o texto como forma de apelar Nero à moderação e à razão.
Até 1532 não há, como se viu, qualquer indício de que Calvino tenha aderido à nova fé - nos seus diferentes focos e graus que surgem pela Europa - onde o Luteranismo surge como um movimento mais moderado e os anabaptistas como uma força mais radical.
A conversão de Calvino ao protestantismo permanece envolta em mistério. Sabe-se apenas que ela se deu entre 1532 e 1533 (Calvino tem 23 ou 24 anos). Um texto escrito por Calvino em 1557 como prefácio ao seu comentário sobre os salmos oferece-nos alguns parcos pormenores:
"Após tomar conhecimento da verdadeira fé e de lhe ter tomado o gosto, apossou-se de mim um tal zelo e vontade de avançar mais profundamente, de tal modo que apesar de eu não ter prescindido dos outros estudos, passei a ocupar-me menos com eles. Fiquei estupefacto, quando antes mesmo do fim do ano, todos aqueles que desejavam conhecer a verdadeira fé me procuravam e queriam aprender comigo - eu, que ainda estava apenas no início! Pela minha parte, por natureza algo tímido, sempre preferi o sossego e permanecer discreto, de modo que comecei a procurar um pequeno refúgio que me permitisse recolher dos Homens. Mas, pelo contrário, todos os meus refúgios se tornavam em escolas públicas. Em resumo, apesar de eu sempre ter pretendido viver incógnito, Deus guiou-me por tais caminhos, onde não encontrei sossego, até que ele me puxou para a luz forte, contrariando o meu carácter, e como se costuma dizer, me colocou em jogo. E, na verdade, deixei a França e dirigi-me para a Alemanha para que ali pudesse viver em local desconhecido, incógnito, como sempre tinha desejado."
Note-se que a França e Alemanha não existiam no sentido de hoje mas sim em termos de zonas de língua francófona ou alemã.
Entretanto, o papa Clemente VII pressionava o rei de França a reprimir os protestantes franceses. Em bulas de 30 de Agosto de 1533 e de 10 de Novembro do mesmo ano, o papa exortava à "aniquilação da heresia Luterana e de outras seitas que ganham influência neste reino". Os dois encontram-se, então, nesse mesmo ano, em Marselha, onde discutem entre outras coisas a "guerra contra os turcos, lá fora, e a repressão das heresias cá dentro".
O discurso de Nicolas Cop
A 1 de novembro de 1533, o novo reitor da Universidade de Paris, o humanista Nicolas Cop, proferiu um discurso de abertura do ano lectivo na Igreja dos Franciscanos, em Paris, frente aos mais altos representantes das quatro faculdades: Teologia, Direito, Medicina e Artes. O seu discurso fazia eco de temas facilmente associados à nova teologia da reforma. Nesse discurso, Nicolas fez, particularmente, o paralelismo entre a perseguição aos primeiros cristãos e a que ocorria agora, século XVI, na França, e que visava os cristãos protestantes. Argumentava: Não eram também chamados de heréticos os primeiros seguidores do cristianismo? O resultado foi a perseguição do próprio Nicolas Cop, que teve de se refugiar em Basileia.
Simultaneamente, João Calvino fugia também de Paris. O seu quarto no Collège de Fortet é revistado, e seus papéis e correspondência são confiscados. Calvino encontra refúgio em Angoulême, em casa do seu amigo Du Tillet.
Não foi até hoje esclarecido completamente o que se passou. Encontrou-se, contudo, em Genebra, um fragmento do discurso de Nicolas Cop, escrito pela mão de Calvino. O documento original completo encontra-se em Estrasburgo. Foi levantada a tese de que Calvino poderia, pelo menos, ter participado na elaboração do discurso.
Calvino permanece em Angoulême até Abril de 1534, altura em que se dirige a Nérac, onde se encontra com Lefèvre d'Étaples. Regressa depois a Noyon, onde em Maio de 1534 renuncia às suas "benefices". Volta, então, a Paris e a Orleães.
A Psychopannychia
Em 1534, Calvino escreve o seu segundo livro, que será também o primeiro sobre religião. Chamar-se-á "Psychopannychia", palavra que deriva do grego e que significa: "A vigília da alma"[4]. A tradução francesa "Psychopannychia, un traité sur le sommeil de l'âme" ("A vigília da alma - contra o sono da alma") introduziu a frase "sono da alma" como uma descrição crítica da crença na mortalidade da alma, ou "mortalismo cristão", que foi ensinada por Martinho Lutero, entre outros.[3]. É um livro relativamente pouco conhecido, em comparação com as outras obras de Calvino. Calvino faz uma crítica severa aos anabaptistas, que acusa de serem uma seita tresmalhada. O livro coloca questões teológicas, mais do que oferecer respostas. Calvino, nos seus 24 anos de idade, está em processo de busca. Defende nessa obra a imortalidade da alma. O título completo era: "Psychopannychia - tratado pelo qual se prova que as almas permanecem vigilantes e vivas uma vez que tenham deixado os corpos, o que contraria o erro de alguns ignorantes que sustentam que elas dormem até ao último momento" - o que é, também, um ataque aos anabaptistas. Apesar de escrito em 1534, o livro seria apenas publicado em 1542.
O caso dos cartazes de 1534
Em 18 de Outubro de 1534, a história do protestantismo francês vive um dos seus momentos fulcrais, com o caso dos cartazes. Cartazes de 37 por 25 centímetros que criticam a celebração da missa tal como ela é feita oficialmente pela Igreja católica são afixados em vários locais. É particularmente atacada a repetição sacrificial da morte de Cristo, simbólica, no altar. Se o sacrifício já foi consumado, por que se apoderam os sacerdotes católicos deste ritual simbólico? Os argumentos teológicos dos protestantes fundamentam-se na Epístola de Paulo aos Hebreus. A propaganda protestante pretende transmitir a ideia de que a eucaristia segundo a concepção católica é uma blasfêmia, uma vez que a morte de Cristo não se deixa repetir. Esta demanda foi o resultado da ação de Antoine Marcourt, Pastor de Neuchâtel, também ele um natural da Picardia. A situação tornou-se particularmente crítica e descambou numa reacção brutal por parte da Igreja católica e do estado francês.
Protestantes franceses seriam encarcerados e assassinados. Em Janeiro de 1535, o rei Francisco I organiza uma procissão macabra pelas ruas de Paris. A procissão pára em 6 locais distintos. Em cada uma das paragens há um pódio onde o rei, os embaixadores e dignos membros do "parlement" se instalam para assistir à morte pela fogueira de 6 "heréticos" envolvidos no caso dos cartazes do ano anterior.
Etapa em Basileia
  Emblema da cidade de Basiléia.
Em Janeiro de 1535, Calvino dirige-se (alguns sustentam que teria fugido) a Basileia, cidade onde vive até março de 1536. Basileia era uma cidade conhecida por ter sido o lar de Erasmo de Roterdão e do reformador Johannes Oekolampad, falecido em 1531, sendo o seu seguidor Oswald Mykonius.
A tradução da bíblia de Olivétan
Em 1535 é publicada a primeira bíblia traduzida por um protestante, em francês. Tratava-se de uma tradução directa do Hebraico (o antigo testamento) e do Grego (o novo testamento) - línguas originais das escrituras - e não das versões então em uso, em latim. Algo totalmente natural no século do humanismo e de Erasmo de Roterdão. O autor é Olivétan, aliás Pierre Robert (1506-1538), primo de João Calvino e proveniente também de Noyon. Foi publicada em Neuchâtel por Pierre de Vingle.
Apesar de Pierre Robert ter demonstrado um bom conhecimento de Hebraico e Grego, o seu estilo de escrita foi considerado de difícil compreensão, além de uma certa falta de fluidez discursiva. O texto seria revisto (com a colaboração de Calvino) e publicado novamente em 1546.
O Édito de Coucy
Em 16 de Julho de 1535, o rei Francisco I faz publicar o Édito de Coucy, uma medida de contemporização para com os protestantes e que corresponde também a uma nova guerra de Francisco I contra Carlos V (Guerra de 1535-1538). Necessitando do apoio dos protestantes alemães para o esforço de guerra e não convinha, necessariamente, perseguir os "Luteranos" na França. É prometido que se deixarão os protestantes em paz desde que vivam como "bons cristão" e renunciem à sua fé. Mas, em Dezembro de 1538, o Édito de Coucy é suspenso e as perseguições aos protestantes retomam a intensidade anterior.
Institutio religionis Christianae
Em Março de 1536 é publicada em Basileia a primeira edição de "Institutio religionis Christianae". No prefácio menciona a sua estadia em Basileia, "enquanto na França são queimados na fogueira crentes e pessoas santas". Fala de santos mártires. Dirige-se no livro ao Rei Francisco I, que procura convencer das boas intenções da Reforma. Ao mesmo tempo, a sua teologia começa a adquirir contornos mais marcados e mais autónomos em relação ao Luteranismo. Uma tendência que se fortalecerá no futuro. Critica a vida dos mosteiros, que compara a bordéis. Calvino pretende não só a reforma da Igreja mas de todos os indivíduos. A institutio é "a organização da sociedade daqueles que acreditam em Jesus Cristo".
Em Março de 1536, Calvino viaja até Ferrara na companhia de Louis Du Tillet. Calvino esperava um acolhimento aberto às ideias protestantes na sua estadia em Ferrara. Enganava-se. Teria de interromper a visita logo em Abril. Foi então até Paris. Mas Calvino não tem futuro em França. Numa carta ao amigo Nicolas Duchemin, compara a sua situação com a dos judeus no Egipto. A França era o seu Egipto. Queixa-se na mesma carta dos rituais da missa, considerando-os idólatras. Calvino sai definitivamente da França em 1536, procurando terras politicamente independentes da França e de espíritos mais abertos para a reforma. Dirige-se, então, para cidades dos territórios que hoje constituem a Suíça.
A reforma em Genebra
Genebra é nesta altura já uma cidade de espíritos progressivos e abertos para a reforma protestante. Politicamente, a cidade está desde 1285 sob vassalagem aos condes de Sabóia ou à casa episcopal (ao bispo de Genebra), quase sempre ocupada por um bispo também da casa de Sabóia desde que o papa Félix V (Amadeu VIII de Sabóia) se autonomeou bispo da cidade. Na prática, no entanto, Genebra é quase uma cidade-estado, uma república que desde cedo se emancipou na conquista da sua liberdade municipal. Em 1522 inicia-se um conflito entre os pejorativamente chamados "mamelucos", que são conservadores e partidários da casa de Sabóia e os "confederados" (alemão: Eidgenossen; francês: Eidguenot) de onde possivelmente se formará a palavra Huguenotes (francês: huguenot). Estes últimos opõem-se a Sabóia. Em 1524, Karl III, Duque de Sabóia, tinha ocupado militarmente Genebra. Porém, em 1526, Genebra decide-se pela união com Berna e Friburgo, iniciando-se no caminho helvético. A reforma protestante não terá tido um papel determinante neste processo, segundo Bernard Cottret.[1] Mas a partir daqui começam a reunir-se em Genebra elementos da Reforma. Em 1533 há o primeiro culto protestante de que há conhecimento nesta cidade. São então cunhadas moedas com a inscrição: "Post tenebras lux" (após a escuridão, a luz).
O ano de 1536 marca uma viragem na cidade de Genebra. Neste ano, a reforma é adaptada oficialmente pela cidade. Os cléricos da igreja católica são intimados a deixar de celebrar a missa como o faziam, com o cerimonial papista e seus abusos (idolatria, aos olhos dos protestantes) e a juntarem-se aos protestantes. Num novo fôlego de zelo religioso, as raparigas são obrigadas a usar o véu, cobrindo os seus cabelos. Já desde 1532 que se registavam ataques e destruições de imagens religiosas, estátuas, figuras, etc. A adoração destas figuras era vista pelos protestantes como idolatria. Há um episódio carismático deste fenómeno: num destes ataques à "idolatria papista", uma multidão apodera-se de cerca de 50 hóstias de um padre, dando-as a comer a cão. "Se as hóstias pertencem mesmo ao corpo de Deus, não se irão deixar comer por um cão!" - é argumentado. Em Junho de 1536, são abolidos em Genebra, por decisão de um conselho, todos os feriados, excepto os domingos. Todas estas transformações deram-se sem a influência de Calvino. Aliás, ainda nem sequer aí tinha chegado.
Chegada de Calvino a Genebra
 Genebra nos dias de hoje, uma das cidades mais ricas do mundo.
1536 é também o ano da chegada de Calvino a Genebra. Calvino tem nessa altura 26 anos.
Após a estadia em Ferrara, na Primavera de 1536, Calvino tinha estado em Paris, aproveitando-se de um período de relativa calma na perseguição aos protestantes. Tratou de assuntos pessoais e da família. Em junho faz em Paris uma procuração em nome do seu irmão. Em Julho de 1536, João Calvino, pretendendo dirigir-se a Estrasburgo, inicia a viagem, juntamente com o irmão Antoine e a irmã Marie. Em vez de tomar o caminho mais curto, Calvino faz um desvio pelo sul, evitando a área onde a guerra entre as forças de Francisco I e Carlos V são uma ameaça. Por coincidência, Calvino chega a Genebra, onde permaneceu, apesar de ter inicialmente pretendido continuar viagem, o que foi vivamente desaconselhado pelo reformador Guillaume Farel (na altura de 47 anos de idade)[2]. O caminho para Estrasburgo encontrava-se inseguro por causa da guerra. A Genebra que Calvino encontra vive ainda a agitação dos conflitos entre Mamelucos e Confederados.
João Calvino já tinha viajado até Estrasburgo durante as guerras otomanas, e passado através dos cantões da Suíça. Aquando da sua estadia em Genebra, Guillaume Farel pediu ajuda a Calvino na sua causa pela igreja. Calvino escreveu sobre este pedido: "senti como se Deus no céu tivesse colocado a sua poderosa mão sobre mim para barrar-me o caminho"". 18 meses depois, as mudanças de Calvino e Farel levariam à expulsão de ambos.
A disputa teológica de Lausana
Entre 1 e 8 de Outubro de 1536, tem lugar na Catedral de Notre-Dame em Lausana uma disputa teológica entre protestantes e católicos, na qual Calvino e Farel vão participar. Este tipo de conferências de disputa tem por modelo os debates que Ulrico Zuínglio tinha organizado em Zurique (1523) e Berna (1528). Do lado católico encontra-se Pierre Caroli, que iria acusar, em Berna, Calvino e Farel de heresia. Calvino é também acusado por Caroli de arianismo.
A saída atribulada de Genebra
A 16 de Janeiro de 1537, as autoridades da cidade de Genebra aprovam o documento escrito pelo líder protestante Farell, que se destina a servir de confissão de fé e orientação para todos os habitantes de Genebra. Calvino faz também algumas sugestões, parte das quais são rejeitadas. Cerca de vinte artigos dispõem, entre outras coisas, que os idolatras, querulantes, assassinos, ladrões, bêbados (entre outros) sejam futuramente excomungados. As lojas devem fechar ao domingo, assim que soem os sinos da igreja.
Estas disposições, apesar de aceites pelas autoridades vão criar atritos com Farell e Calvino. O estigma da excomunhão é extremamente discriminador e destruidor de relações sociais no século XVI.
Em Março, os líderes anabaptistas de origem holandesa Hermann de Gerbihan e Benoît d'Anglen são expulsos de Genebra, juntamente com os seus seguidores.
Em Abril de 1537, por sugestão de Calvino, é constituido um "syndic" (síndico) que tem por objectivo ir de casa em casa e inquirir sobre a confissão dos moradores. A acção é contestada. Alguns moradores recusam-se a pronunciar-se sobre a sua fé.
Em junho de 1537 as autoridades de Genebra decidem que o Domingo é o único dia feriado. Futuramente nenhum outro feriado será considerado. 30 de Outubro é definido como o prazo para todos os moradores de Genebra se pronunciarem quanto à sua religião. Aqueles que não reconhecem os decretos de Farell são obrigados a deixar a cidade em 12 de Novembro.
Após esta data, a situação complica-se para Farell e Calvino. Particularmente provocante é o facto de um estrangeiro (francês), como Calvino, decidir sobre a excomunhão e expulsão de habitantes naturais de Genebra. As autoridades, perante estes protestos, passam a ser mais críticas para com os líderes protestantes.
A 3 de Fevereiro de 1538 são eleitos para as autoridades da cidade de Genebra 4 pessoas que são inimigos de Calvino e dos protestantes. Em Março, estas novas autoridades proíbem Calvino e Farell de se pronunciarem sobre assuntos não religiosos.
Calvino e Farell negam-se a celebrar a comunhão de acordo com a tradição de Berna. São proibidos de celebrar os serviços religiosos. No entanto, no Domingo seguinte, 21 de Abril de 1538, Farell e Calvino celebram o culto de Ceia como habitualmente, Farell na Igreja de Saint-Gervais e Calvino na de Saint-Pierre. As autoridades dar-lhes-ão três dias para saírem da cidade.
Estrasburgo
Em 1538, Farell irá refugiar-se em Neuchâtel. Calvino dirige-se a Estrasburgo, após ter inicialmente pretendido ir para Basileia. Estrasburgo era na altura parte da zona de língua alemã, mas a proximidade da fronteira com a França significava que ali se tinha desenvolvido uma comunidade de exilados franceses. Tal como em Genebra Farell reconhecera o potencial de Calvino, em Estrasburgo Martin Bucer será o protector de Calvino. Durante três anos Calvino dirigiu em Estrasburgo uma igreja de protestantes franceses, a convite de Bucer.
Segundo o biógrafo Courvoisier, Estrasburgo é a cidade onde Calvino se torna verdadeiramente Calvino. O seu sistema de pensamento é aqui consubstanciado em algo de mais marcadamente original. A sua obra Institutio é aqui re-editada (1539). É agora três vezes maior do que a primeira edição.
Em Outubro de 1539, Pierre Caroli chega a Estrasburgo, onde permanece pouco tempo. Caroli e Calvino, inimigos desde há anos, têm uma disputa. Caroli está agora algures entre o catolicismo e o protestantismo. Ele acusa Calvino de o ter confundido na sua fé. Calvino sofre uma crise nervosa.
Neste Outono de 1539, Calvino escreve também um comentário à carta de Paulo aos Romanos. Este tema é particularemente querido do protestantismo, porque ali se encontra a justificação através da fé como a base de sustentação do movimento protestante, pois somente a fé salva e justifica. A igreja é por este prisma mais uma comunidade de crentes do que um enquadramento jurídico. Os sacramentos só recebem o seu sentido através da fé. Sem fé não têm qualquer efeito. Já Lutero tinha destacado a carta de Paulo aos romanos como o cerne do Novo Testamento e o mais alto do evangelho.
Matrimônio
Em Estrasburgo, Calvino casa-se em Agosto de 1540 com a viúva Idelette de Bure, que tinha sido previamente adepta do anabaptismo. Traz duas crianças do seu prévio casamento. Calvino tem 31 anos de idade. A cerimónia do casamento foi dirigida por Guillaume Farel.
Em 1541 a peste negra (ou peste bubónica) recrudesce em Estrasburgo. Idelette e as duas crianças procuram abrigo em casa de um irmão dela, nas redondezas.
Regresso a Genebra
Após a expulsão de Calvino, Genebra tinha adoptado os ritos de Berna. O natal, ascensão de Cristo e outras festividades cristãs voltaram a ser praticadas. Mas os católicos e os anabaptistas continuavam a ser perseguidos e "convidados" a deixar a cidade. A 18 de Março de 1539 o jogo tinha sido proibido em Genebra. Pedintes e vagabundos eram expulsos da cidade. A ausência de Calvino não tinha significado qualquer laxismo na moral estrita imposta na cidade.
As relações de Genebra com Berna permanecem tensas. Entretanto, os líderes que se opunham a Calvino (os chamados "artichoques") começam a perder influência. São acusados de simpatia por Berna. Jean Philip (João Filipe), um de seus líderes, é torturado e decapitado em 1540. Os oponentes, favoráveis a Calvino, chamados de "guillermins" ganham o poder.
Calvino foi convidado em Outubro de 1540 a regressar a Genebra, para reaver o seu posto na igreja, tal como o tivera antes da expulsão. A 13 de Setembro de 1541 Calvino chegou, pela segunda vez, a Genebra, mas, desta vez, definitivamente. Começou, então, a organizar e estruturar, de acordo com as linhas bíblicas, os ministérios e a acção dos professores e diáconos.
Zelo religioso radical
São ainda de 1541 as propostas de Calvino, no sentido da reorganização da igreja. As "Ordonnances de 1541" dispõem a formação de quatro corpos:
•             Pasteurs (pastores, que pregam)
•             Docteurs (ensinam)
•             Anciens (os mais velhos, que chamam à ordem aqueles que prevaricam)
•             Diacres (diáconos, que ocupam-se dos pobres e doentes) - mendigar é estritamente proibido
É decidida também a criação de um consistório - composto de elementos da igreja e de laicos - que se reúne regularmente para julgar os comportamentos individuais, como um tribunal, "de acordo com a palavra de Deus", sendo a excomunhão de pessoas a mais grave sentença que pode decidir.
A eucaristia só é praticada quatro vezes por ano.
Em 1542, Calvino publica em Genebra o seu livro de catecismo: "Catéchisme de l'Église de Genève, c'est-a-dire, le formulaire d'instruire les enfants en la chrétienté". A chave do projecto de Calvino passa pela pedagogia. O seu objectivo é a profunda transformação das mentalidades. Cada resquício de superstição, de práticas de magia, ou de catolicismo é perseguido como idolatria.
O consistório, do qual Calvino fazia parte, ocupava-se desses e de outros casos. Refiram-se alguns:
•             Em 1542, uma mulher chamada Jeanne Petreman é acusada de se recusar a participar da eucaristia, de dizer o pai-nosso em língua "romana" e de proclamar que a Virgem Maria era a sua defensora. Diz também que se nega a acreditar noutra fé que não a sua. É excomungada.
•             Em 2 de Setembro de 1546, aparece em Genebra um franciscano que pedia na rua um jantar em nome de Deus e da Virgem Maria. Devemos pressupor que ele obteve o seu jantar mas foi também levado ao consistório, que logo constatou que o "papista" mal conhecia a bíblia, além de ser inofensivo. Foi expulso da cidade, para o lado da fronteira, com os católicos.
•             A 23 de Junho de 1547 comparecem perante o consistório várias mulheres que tinham sido apanhadas a dançar - uma delas era a esposa de um dos membros do consistório. O caso ganhou contornos de escândalo. As mulheres foram condenadas a alguns dias de prisão, apesar de vários apelos. Em reacção à decisão, são colocados na cidade cartazes contra Calvino. O autor dos cartazes, Jacques Gruet, é torturado. Depois de confessar a sua autoria, é executado.
•             Em 1548, Louis Le Barbier é interrogado sobre a sua fé. Declara que não tem fé. Entretanto, descobrem livros de bruxaria e de escórnio na sua posse. É admoestado perante o consistório mas não será perseguido.
Os nomes de baptismo são regulamentados. Devem ser nomes que figuram na Bíblia. Um decreto de 22 de Novembro de 1546 dispõe que certos nomes são proibidos, entre os quais:
•             Suaire, Claude, Mama (lembram a idolatria)
•             Baptistes, Juge, Evangéliste
•             Dieu le Fils, Espoir, Emmanuel, Sauveur, Jésus (destinados apenas a nosso senhor)
•             Sépulcre, Croix, Noël, Pâques, Chrétien (nomes estúpidos ou absurdos)
O luxo e a pompa são desprezados. Em setembro de 1558, Nicolas des Gallars, um amigo de Calvino, inicia uma grande campanha na cidade em desprezo do supérfluo, as modas entre as mulheres e as más leituras. São queimados vários exemplares do livro "Amadis de Gaula", na posse de um comerciante. O zelo religioso tomava a forma de censura moral.
Peste Negra em Genebra
Em 1542, há um surto de peste negra em Genebra. A peste negra permanecia então um fenómeno incompreensível - para lidar com a epidemia, era normal que se multiplicassem os casos de feitiçaria e de rituais contra a peste. Este tipo de práticas já era conhecido em Genebra antes da reforma e, tal como antes, os protestantes replicam com a perseguição, tortura e morte dos suspeitos. Aquelas que são identificadas como bruxas são queimadas vivas, enquanto se propaga a ideia de que estas desgraças são um castigo de Deus.
Em 1542, o filho de Calvino, Jacques, morre pouco depois de nascer em 28 de Julho.
Crescimento demográfico
A partir de 1542 e sobretudo na década de 1550, a cidade de Genebra vai conhecer um grande crescimento demográfico, com a chegada de refugiados franceses, protestantes perseguidos em França. Consequentemente, há uma fase de expansão económica (relojoaria, tecelagem…) e a língua francesa começa a ter preponderância sobre o dialecto franco-provençal da região.
Mas é também uma época marcada pelo crescimento de sentimentos xenófobos, em parte devidos a ressentimentos contra Calvino:
•             Em Janeiro de 1546 é preso Pierre Ameaux, que tinha injuriado publicamente Calvino, ao referir-se a este como um "picard", pregador de uma falsa fé.
•             Um outro senhor Ameaux é preso mais tarde por razões semelhantes. Este senhor tinha boas razões para não gostar do extremo zelo religioso imposto por Calvino, já que era fabricante de cartas de jogo. Foi condenado a percorrer a cidade de uma ponta à outra, descalço, em camisa, com uma vela na mão.
•             A 23 de Setembro de 1547, François Favre comparece em tribunal por ter afirmado que Calvino se auto-nomeara bispo de Genebra e que os franceses tinham escravizado a sua cidade natal.
•             Mais tarde, em 1548, um senhor chamado Nicole Bromet declara que os franceses deveriam ser todos colocados num barco e enviados pelo rio Reno abaixo.
Em 1547, Henrique II de França sucede a Francisco I. Henrique será um rei menos reconhecido, em comparação com Francisco. É caracterizado como menos carismático, menos entusiasta pelas artes e ciências, mais introvertido e frio.
Em 29 de Março de 1549 morre Idellete Calvino, após doença . Calvino não voltará a casar. Dedica-se ainda mais decididamente ao trabalho.
Em 1550 a repressão dos huguenotes em França cresce. É estabelecida a chambre ardente. A censura é fortalecida.
O caso Miguel Servet
Miguel Servet era um homem de cultura, um médico, interessado, entre muitas outras coisas, na religião. Como livre pensador, defendia que o dogma da Trindade não fazia qualquer sentido, sendo apenas um sofisma inventado no Primeiro Concílio de Niceia. Será perseguido pela Igreja Católica em França, através da Inquisição, por causa das suas teses. Escapa e dirige-se a Genebra, mas os protestantes mostraram-se não menos intolerantes para com as suas ideias.
A história da ligação entre Servet e Calvino começa já em 1534, ano em que ambos estiveram em Paris. Esteve nessa altura planejado um encontro que não chegou a realizar-se. No entanto, trocariam correpondência por vários anos.
O debate foi tornando-se numa azeda discussão. Um dos pontos principais da discussão epistolar continuava a ser a Santíssima Trindade. Perante a sua proposta para que Calvino lesse o manuscrito do seu Livro "Restitutio" (tendo-o enviado pelo correio), Calvino diz-lhe que deveria ler o seu "Institutio". Servet fê-lo e escreveu comentários críticos nas margens do texto que foram depois enviados a Calvino.
Calvino recebeu o manuscrito mas não lhe respondeu. Nem sequer devolveu o manuscrito do Restitutio, que Servet lhe pedia que remetesse. Calvino manteve o seu silêncio, cultivando preocupação em relação a Servet e às suas heresias.
No princípio de Abril de 1553 a Inquisição francesa recebeu misteriosamente a posse de documentos que compromentiam Servet. Entre eles, as cartas de Servet a Calvino. Ainda em 5 de Abril, Servet é ouvido pelos inquisidores. A 7 de Abril, porém, consegue escapar-se da prisão. Dirigiu-se a Genebra, talvez por pensar que entre os protestantes estaria a salvo da Inquisição. Enganou-se. Foi preso pelas autoridades da cidade de Genebra a 13 de Agosto.
Servet desejava fugir para a Itália, porém, inexplicavelmente, parou em Genebra, onde Calvino e seus reformadores denunciaram ele. Em 13 de agosto, ele ouviu um sermão de Calvino em Genebra e foi imediatamente reconhecido e preso.[5] Calvino insistiu na condenação de Servet usando todos os meios ao seu comando.
Calvino, também acusado pelos católicos de arianismo, poderá ter visto aqui a oportunidade de mostrar que defendia o conceito trinitário, ao mesmo tempo que mostraria que também estava empenhado em perseguir os heréticos. Um herético do lado de lá da fronteira também é um herético dentro da cidade.
Em seu julgamento pelo Conselho de Genebra presidido por Calvino, segundo a maioria dos historiadores, Servet foi condenado pela difusão e pregação do Antitrinitarismo e por ser contra o batismo infantil.[6] O procurador (procurador-chefe público), acrescentou algumas acusações como "se ele não sabia que sua doutrina era perniciosa, considerando que ela favorece os judeus e os turcos, por inventar desculpas para eles, e se ele não estudou o Alcorão, a fim de desmentir e rebater as doutrina e a religião das igrejas cristãs(...)".
Calvino acreditava que Servet mereceu ser morto por causa do que ele denominou como "blasfêmias execráveis."
Calvino consultou outros reformadores sobre a questão de Servet, como os seguidores de Martinho Lutero, e em locais como Zurique, Berna, Basel e Schaffhausen, que concordaram universalmente com sua execução.
Em 24 de outubro Servet foi condenado à morte na fogueira por negar a Trindade e o batismo infantil. Calvino sugeriu que Servet fosse executado por decapitação, em vez de fogo, mais seu pedido não foi atendido.[9] Em 27 de outubro de 1553 a pena foi aplicada nos arredores de Genebra com o que se acreditava ser a última cópia de seu livro acorrentado a perna de Servet.[10] Após o ocorrido Calvino escreveu:
Quem sustenta que é errado punir hereges e blasfemadores, pois nos tornamos cúmplices de seus crimes (…). Não se trata aqui da autoridade do homem, é Deus que fala (…). Portanto se Ele exigir de nós algo de tão extrema gravidade, para que mostremos que lhe pagamos a honra devida, estabelecendo o seu serviço acima de toda consideração humana, que não poupamos parentes, nem de qualquer sangue, e esquecemos toda a humanidade, quando o assunto é o combate pela Sua glória.
Relacionamento com a reforma inglesa
Por volta de 1550, Calvino escreve ao rei Eduardo VI de Inglaterra, um protestante, encorajando-o nas suas reformas. O rei Eduardo VI fez acolher protestantes franceses, perseguidos no país natal. Após o reinado de Eduardo VI (1547-1553) o catolicismo regressa à Inglaterra sob a liderança de Maria Tudor.
Novas dificuldades
Entre 1553 e 1555, em Genebra, a relação tensa entre a igreja - particularmente o consistório, onde Calvino é uma figura de relevo - e as autoridades seculares da cidade, eleitas entre os habitantes (ricos) da cidade, atinge o seu auge. Discutia-se, então, a questão de saber se o consistório teria ou não o direito de excomungar pessoas, algo que se vinha a passar com relativa frequência. As amargas trocas de palavras entre estes dois pólos multiplicaram-se. Por um lado, o zelo religioso dos Calvinistas, do outro, a autoridade política da cidade. Em Janeiro de 1555 há uma procissão noturna de pessoas em Genebra, caminhando de vela na mão, com a pretensão de ridicularizar Calvino.
Apesar disso, e em parte por causa do peso relativo da população protestante francesa que se tinha refugiado na cidade, as eleições dos 4 novos "Syndics" de Genebra em Fevereiro de 1555 é favorável aos Calvinistas, que se impõem contra os "Enfants de Genève" sob a liderança de Perrin. Após as eleições, porém, há desacatos na rua entre as duas partes. Perrin e outros líderes da revolta são presos e serão decapitados e esquartejados. Os pedaços dos cadáveres foram, depois, exibidos nas ruas da cidade.
Também a doutrina da Predestinação foi muito atacada nestes anos, principalmente por um monge carmelita chamado Hiérome Bolsec, nascido em Paris, que se tinha estabelecido em Genebra. Argumentava que se Deus fosse o responsável por tudo o que se passa, então, também seria responsável pelos nossos pecados. Calvino responde que nunca disse isso e as autoridades apoiam-no. Em Berna, os críticos de Calvino são expulsos da cidade em 1555.
Em 1555 são erguidas as primeiras igrejas calvinistas em França, nomeadamente em Paris, Meaux, Angers, Poitiers e Loudun. Nos três anos seguintes surgem as comunidades de Orleães, Rouen, La Rochelle, Toulouse, Rennes e Lyon.
A 8 de Junho de 1558, Calvino escreve a Antoine de Bourbon, o Rei de Navarra e consorte de Jeanne d'Albret, exortando-o a seguir na sua vida privada os mesmos valores ascéticos que os seus súbditos.
Entre 26 e 29 de Maio de 1559 realiza-se em Paris um sínodo nacional protestante. Cerca de 30 paróquias aparecem aí representadas. O sínodo será responsável pela elaboração de um texto de linhas orientadoras (com a participação de Calvino na sua criação), que se chamará Confession de La Rochelle (texto confirmado nesta cidade em 1571).
Em 1559 Calvino fundou uma escola e um hospital.
Em Abril de 1559 é assinado o pacto de paz entre a França e a Espanha, em Cateau-Cambrésis.
Morte
Nos seus últimos anos de vida, a saúde de Calvino começou a vacilar. Sofrendo de enxaquecas, hemorragia pulmonar, gota e pedras nos rins foi, por vezes, levado carregado para o púlpito. Calvino continuava a ter detratores declarados que lhe dirigiam ameaças constantes.
Entretanto, apreciava passar os seus tempos livres no lago de Genebra, lendo as escrituras e bebendo vinho tinto. No fim de sua vida disse a seus amigos que estavam preocupados com o seu regime diário de trabalho: "Qual quê? Querem que o Senhor me encontre ocioso quando ele chegar?"
João Calvino morreu em Genebra a 27 de maio de 1564. Foi enterrado numa sepultura simples e não marcada, conforme o seu próprio pedido.
Publicações de Calvino
 Ver página anexa: Anexo:Lista de obras de João Calvino
•             De Clementia - Obra anotada de Séneca (1532)
•             Psychopannychia (1534)
•             Institutas da Religião Cristã [12]
o             publicado em Latim: 1536
o             publicado em Francês: 1541
•             Catéchisme de l'Église de Genève (1542)
•             Calvino também publicou vários volumes de comentários sobre a Bíblia
As suas publicações espalharam as suas ideias de uma igreja correctamente reformada, para muitas partes da Europa. O calvinismo tornou-se a religião principal na Escócia (Ver: John Knox), nos Países Baixos e em partes da Alemanha, tendo sido influente na Hungria e na Polónia. A maioria dos colonos de certas zonas do novo mundo, como Nova Inglaterra, eram igualmente calvinistas, incluindo os puritanos e os colonos neerlandeses que se estabeleceram em Nova Amsterdam (Nova Iorque). A África do Sul foi fundada em grande parte por colonos neerlandeses (também com franceses e portugueses) calvinistas do início de século XVII, que ficaram conhecidos como africânderes.
Em França, os calvinistas eram chamados de Huguenotes.
A Serra Leoa foi em grande parte colonizada por colonos calvinistas da Nova Escócia. John Marrant tinha organizado a congregação local sob o auspício da conexão Huntingdon. Os colonos eram na sua maioria loialistas negros, afro-americanos que tinham combatido pelos ingleses na guerra da independência americana.
Calvino, inventor do capitalismo?
São muitos os que atribuem a Calvino a invenção do capitalismo baseados na leitura do livro A ética protestante e o espírito do capitalismo, do sociólogo alemão Max Weber. Em um artigo para a revista Portugal Evangélico, em sua edição nº 933, o pastor protestante espanhol Carlos Capó rebate essa afirmação: "Tratar Calvino como fundador do capitalismo é simplesmente cair num anacronismo e num reducionismo. Não se trata de desmerecer a obra de Weber. Pelo contrário, com ela, ele levava a cabo uma meticulosa e acertada análise dos mecanismos que levaram ao desenvolvimento do capitalismo. Mecanismos, certamente relacionados com a ética protestante. Mas o capitalismo é um conceito que não pertence ao tempo de Calvino, tendo sido definido posteriormente a ele. É um conceito económico e é um conceito político sujeito a uma polémica num mundo dividido entre dois modos de entender a sociedade e a economia: o capitalista e o comunista. Querer meter Calvino nessa polémica está fora de questão".
Fonte: Wikipédia


 

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