quarta-feira, 10 de abril de 2013

COMPOSIÇÃO DO HOMEM





TRICOTOMIA VERSUS DICOTOMIA:
 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA NATUREZA HUMANA

Muito se falou ao longo dos anos a respeito de como o homem é constituído na sua natureza. É de nosso interesse, nesse pequeno texto apenas a opinião Cristã a respeito do referido tema.A igreja cristã tem estado dividida quanto à natureza constitutiva do homem. Alguns advogam que o homem é constituído de corpo, alma e espírito. Essa posição é conhecida como“tricotomia”. A posição que entende o homem tripartido originou-se entre os gregos, eles entendiam a relação mútua entre corpo e o espírito do homem segundo a analogia da mútua relação entre o universo material de Deus.

Os gregos pensavam que o corpo e a alma só podiam comunicar-se por meio de uma terceira substância ou de um ser intermediário, o qual para eles era a alma. Quando a alma se relaciona com a mente (Nous), era tida como imortal, quando se relacionava como o corpo, como o carnal é mortal. A forma mais comum de apresentação do conceito tricotômico é a que considera o corpo como parte material da natureza humana, a alma como princípio da vida animal e o espírito como o elemento racional responsável pela relação como o divino. Embora essa posição seja a mais popular entre os cristãos de nosso tempo, parece não recebe apóio das Escrituras como veremos a seguir.

A bíblia claramente expressa uma opinião de cunhdicotômica quanto à constituição da natureza humana. Na verdade a bíblia nos convida a ver a natureza do homem como uma unidade e não como uma dualidade consistente de dois elementos diferentes, cada um dos quais movendo-se ao longo de linhas paralelas. A idéia deste paralelismo entre dois elementos da natureza humana é inteiramente alheia à Escritura.

Embora reconhecendo a complexa natureza humana, ela nunca a expõe como redundando num duplo sujeito no homem. Cada ato do homem é visto como um ato do homem todo. Não é a alma, e sim, o homem, corpo e alma, que é redimido em Cristo. Esta unidade já acha expressão na passagem clássica do Velho Testamento – a primeira passagem a indicar a complexa natureza do homem – a saber, Gn 2.7: “Então formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente”. A passagem toda trata do homem: “Formou o Senhor Deus ao homem... e o homem passou a ser alma vivente”. Esta obra realizada por Deus não deve ser interpretada como um processo mecânico, como se Ele tivesse formado primeiro o corpo do homem e depois tivesse posto nele uma alma. Quando Deus formou o corpo, formou-o de modo que, pelo sopro do Seu Espírito Santo, o homem se tornou imediatamente alma vivente, Jó 33.4; 32.8. A palavra “alma”, em Gn 2.7, não tem o sentido que geralmente lhe atribuímos – sentido deveras alheio ao Velho Testamento – mas denota um ser vivo, e é a descrição do homem completo. Exatamente a mesma expressão hebraica, nephesh hayyah (alma ou ser vivente) é aplicada também aos animais em Gn 1.21, 24, 30. Assim, esta passagem, embora indicando que há dois elementos no homem, dá ênfase, porém, a unidade orgânica do homem.

Ao mesmo tempo, ela contém igualmente provas da composição dual da natureza. Contudo, devemos acautelar-nos quanto a esperar ver no Velho Testamento a distinção posterior entre o corpo, como o elemento material, e a alma, como o elemento espiritual da natureza humana. Esta distinção entrou em uso mais tarde, sob a influência da filosofia grega. A antítese – alma e corpo – mesmo em seu sentido neotestamentário, não se acha no velho testamento. De fato, o hebraico não tem uma palavra para o corpo como organismo. A distinção veterotestamentária dos dois elementos da natureza humana é de diferente espécie. Em sua obra sobre A Doutrina Bíblica do Homem, diz Laidlaw: “Vê-se com clareza que a antítese é entre o inferior e o superior, o terreno e o celeste, o animal e o divino. Não se trata tanto de dois elementos, mas de dois fatores que se unem, com uma resultante única e harmoniosa – ‘o homem passou a ser alma vivente’”. É evidente que é essa a distinção presente em Gn 2.7. Cf.também Jó 27.3; 32.8; 33.4; Ec 12.7. Várias palavras são empregadas no Velho Testamento para indicar o elemento inferior do homem ou partes dele, como “carne”, “pó”, “ossos”, “entranha”, “rins”, e também a expressão metafórica de Jó 4.19, “casas de barro”. Há também diversas palavras que indicam o elemento superior, como “espírito”, “alma”, “coração” e “mente”. Tão logo passamos do Velho para o Novo testamento, encontramos as expressões antitéticas com que estamos mais familiarizados, como “corpo e alma”, “carne e espírito”. As palavras gregas correspondentes foram, sem dúvida, moldadas pelo pensamento filosófico grego, mas passaram para o Novo testamento por intermédio da Septuaginta e, portanto, retiveram a sua ênfase veterotestamentária. Ao mesmo tempo, a idéia antitética do material e o imaterial atualmente se liga a elas.

Os tricotomistas procuram suporte no fato de que a Bíblia, como eles a vêem, reconhece duas partes constitutivas da natureza humana em acréscimo ao elemento inferior ou material, a saber, a alma (hebraico, nephesh; grego, psyque) e o espírito (hebraico, ruah; grego, pneuma ). Mas o fato de serem empregados esses termos com grande freqüência na escritura não dá base para a conclusão de que designam partes componentes, em vez de aspectos diferentes da natureza humana. Um cuidadoso estudo da Escritura mostra claramente que ela emprega as palavras umas pelas outras, em permuta recíproca. Ambos os termos indicam o elemento superior ou espiritual do homem, vendo-o, porém, de diferentes pontos de vista. Contudo, é preciso mostrar logo de início que a distinção que a Escritura faz entre os dois não concorda com o que é mais comum na filosofia, de que a alma é o elemento espiritual do homem, conforme se relaciona com o mundo animal, enquanto que o espírito é aquele mesmo elemento em sua relação com o mundo espiritual superior, e com Deus. Os seguintes fatos militam contra essa distinção filosófica: Ruah-pneuma, bem como nephesh-psyque, são empregados com referência à criação animal inferior, Ec 3.21; Ap 16.3. A palavra psyque é empregada até com referencia a Jeová, Is 42.1; Jr 9.9; Am 6.8 (texto hebraico); Hb 10.38. Os mortos desencarnados são chamados psyqai,Ap 6.9; 20.4. Os mais elevados exercícios da religião são atribuídos à psyque, Mc 12.30; Lc 1.46; Hb 6.18, 19; Tg 1.21. Perder a psyque é perder tudo. É mais que evidente que a Bíblia emprega as duas palavras uma pela outra, permutando-as reciprocamente. Observa-se o paralelismo em Lc 1.46, 47: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador”. A fórmula escriturística para designar o homem é, nalgumas passagens, “corpo e alma”, Mt 6.25; 10.28; e noutras, “corpo e espírito”, Ec 12.7; 1 Co 5.3, 5. Às vezes a morte é descrita como a entrega da alma, Gn 35.18; 1 Rs 17.21; At 15.26; e também como a entrega do espírito, Sl 31.5; Lc 23.46; At 7.59. Além disso, tanto “alma” como “espírito”são empregados para designar o elemento imaterial do homem, 1 Pe 3.19; Hb 12.23; Ap 6.9; 20.4. A principal distinção feita pela Escritura é como segue: a palavra “espírito”designa o elemento espiritual do homem como o princípio de vida e ação que domina e dirige o corpo; ao passo que a palavra “alma” denomina o mesmo elemento como o sujeito da ação no homem e, portanto, muitas vezes é empregada em lugar do pronome pessoal no Velho Testamento, Sl 10.1, 2; 104.1; 146.1; Is 42.1; cf, também Lc 12.19. Em diversos casos, designa mais especificamente a vida interior como a sede dos sentimentos. Isso tudo está em completa harmonia com Gn 2.7, “o Senhor Deus...lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente”. Assim, pode dizer que o homem tem espírito, mas é alma. Portanto, a Bíblia indica dois, e somente dois, elementos constitutivos da natureza humana, a saber, corpo e espírito ou alma. Esta descrição escriturística harmoniza-se também com a consciência própria do homem. Enquanto que o homem tem consciência do fato de que consiste de um elemento material e de um elemento espiritual, nenhum homem tem consciência de possuir alma em distinção do espírito.

Há, porém, duas passagens que parecem estar em conflito com a usual descrição dicotômica da Escritura, a saber, 1 Ts 5.23, “O mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo, sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”; e Hb 4.12, “porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas e apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração”. Deve-se notar, porém, que: (a) É boa regra de exegese que as afirmações excepcionais sejam interpretadas à luz da analogia Scripturae, ou seja, da apresentação usual da Escritura. Em vista deste fato, alguns dos defensores da tricotomia admitem que essas passagens não provam necessariamente a posição deles. (b) A simples menção dos termos espírito e alma um ao lado do outro não prova que, segundo a escritura, são duas substâncias distintas, como também Mt 22.37 não prova que Jesus Considerava o coração, a alma e o entendimento como três substâncias distintas. (c) Em 1 Ts 5.23 o apóstolo deseja simplesmente fortalecer a afirmação: “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo”,na qual se resumem os diferentes aspectos da existência do homem, e na qual o apóstolo se sente perfeitamente livre para mencionar os termos alma e espírito um ao lado do outro, porque a Bíblia distingue entre ambos. Ele não poderia ter pensado na alma e no corpo como duas substâncias diferentes, porquanto noutros lugares da Escritura diz ele que o homem consiste de duas partes, Rm 8.10; 1 Co 5.5; 7.34; 2 Co 7.1; Ef 2.3; Cl 2.5. (d) Hb 4.12 não deve ser entendido no sentido de que a palavra de Deus, penetrando no íntimo do homem, faz separação entre a sua alma e o seu espírito, o que naturalmente implicaria que são dias substâncias diferentes; mas simplesmente no sentido de uma declaração de que ela produz uma separação entre os pensamentos e as intenções do coração.

Fonte: Louis Berkhof (Teologia Sistemática).

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