EXAMES PREVENTIVOS PARA O CORAÇÃO
Carlos Alberto Pastore é médico cardiologista, diretor do
Serviço de Eletrocardiologia do Instituto do Coração (INCOR) e doutor em
Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Doenças cardiovasculares são responsáveis pela morte de um
em cada três adultos. É voz corrente que os homens, em especial os que chegaram
aos 45 anos, são muito suscetíveis a esse tipo de enfermidade, mas há a
crendice de que as mulheres estão protegidas contra ela. Não é verdade. Elas
contam com a proteção dos hormônios sexuais femininos até a menopausa. A partir
desse momento, nelas, o risco de ataques cardíacos é, no mínimo, igual ao dos
homens. Curiosamente, poucas sabem disso. Em geral, insistem com os maridos
para procurarem o cardiologista para avaliação e acompanhamento e reclamam se
eles não se mostram receptivos. No entanto, elas mesmas nada fazem nesse
sentido, porque não têm noção do risco que podem correr.
A avaliação cardíaca precoce e repetida com regularidade
pode retardar e até mesmo evitar a ocorrência de doenças do coração nos dois
sexos.
AVALIAÇÃO PRECOCE
Drauzio – Qual é o momento indicado para fazer avaliação
cardiológica?
Carlos Alberto Pastore – A avaliação cardiológica precoce é
importante para pessoas com história familiar de doenças do coração, já que a
genética é fator determinante no aparecimento de problemas cardíacos. A avaliação
deve ser iniciada aos 30, 35 anos, para quem não desempenha atividade esportiva
intensa. Indivíduos sedentários e sem história familiar de problemas cardíacos
podem começar um pouco mais tarde, aos 35, 40 anos.
Drauzio – O que deve ser valorizado na história familiar?
Carlos Alberto Pastore – Nas famílias em que há vários casos
de infartos e derrames cerebrais, especialmente quando ocorreram com parentes
mais jovens, é preciso estar atento à aterosclerose, ou seja, à deposição de
gorduras nas artérias, e os marcadores dessa doença devem ser dosados já na
adolescência. A falta de diagnóstico precoce pode resultar na descoberta de um
processo ativo da doença, 20 anos depois de instalado.
Drauzio – Os riscos de acidentes cardiovasculares nos jovens
que não têm história familiar exuberante, em geral, começam aos 45 anos e, nas
mulheres, a partir da menopausa. Quando você recebe um homem de 43 anos, sem
histórico familiar, para avaliação cardiológica, que exames você pede primeiro?
Carlos Alberto Pastore – Na consulta clínica, a realização
do eletrocardiograma é um procedimento básico. Embora funcione como uma foto
que registra o desempenho cardíaco naquele momento, dá subsídios para avaliar
se o indivíduo tem condições de praticar atividade física e de andar numa
esteira, por exemplo.
A seguir, peço um teste ergométrico, exame importante para a
avaliação, que é realizado com a pessoa caminhando em esteira para verificar as
reservas cardíacas. Atualmente, junto com a ergometria, peço também o
ecocardiograma, ou seja, um ultrassom do coração para verificar suas medidas,
tamanho e a presença ou não de hipertrofias. Paralelamente, a pessoa realiza
exames de sangue de rotina para check-up.
ELETROCARDIOGRAMA
Drauzio – Como é feito o eletrocardiograma e que tipo de
informação dá esse exame?
Carlos Alberto Pastore – O eletrocardiograma é realizado com
a pessoa em repouso. É um exame tecnicamente muito simples, mas sua
interpretação requer algum cuidado. Graças a Deus, os cardiologistas estão
percebendo que esse recurso do consultório pode dar informações muito boas, se
bem avaliadas.
Para executá-lo, utilizam-se doze eletrodos colocados nas
pernas, braços e no tórax, na região do precórdio. Eles captam a atividade
elétrica do coração que passa para os tecidos vizinhos e chega até a pele. Essa
informação é enviada para um aparelho (eletrocadiógrafo) que as registra num
papel. Analisando seu traçado, é possível saber se há sequência de batimentos,
se o ritmo é normal e a atividade cardíaca, rápida ou lenta.
Drauzio – Na medicina, é vasta a experiência na
interpretação de eletrocardiogramas…
Carlos Alberto Pastore – Nos últimos vinte anos, a
informatização ajudou muito a interpretar os dados obtidos no
eletrocardiograma, um exame que existe há aproximadamente cem anos. Eu diria
até que uma boa consulta clínica e um eletrocardiograma bem interpretado
permitem afastar a possibilidade de doença cardiológica em 90% dos casos.
TESTE ERGOMÉTRICO E ECOCARDIOGRAMA
Drauzio – Com um eletrocardiograma normal nas mãos, você
fica satisfeito ou dá um passo além?
Carlos Alberto Pastore – Dou um passo além, porque o
eletrocardiograma é um exame realizado com a pessoa em repouso. Não testa a
reserva cardiológica. Por isso, é preciso pedir que faça um eletrocardiograma
enquanto caminha numa esteira, especialmente porque a grande maioria está
interessada em praticar atividade física. Essa esteira é acoplada a um
computador que registra o desempenho cardíaco durante a execução de um
protocolo de atividades (caminhada, corrida, pista ascendente, etc.). Esse
exame nos oferece uma informação mais fiel das reservas das coronárias e do
músculo cardíaco com o indivíduo em atividade.
Drauzio – Se os resultados do eletrocardiograma em repouso e
do realizado na esteira derem normal, ainda assim, é necessário continuar a
investigação?
Carlos Alberto Pastore – Atualmente, por causa da
preocupação com a morte súbita, é aconselhável pedir um ecocardiograma, exame
de ultrassom, que fornece informações sobre a estrutura do coração: tamanho das
câmaras e do músculo, válvulas com defeito, etc. Conhecer as condições
estruturais do coração é importante porque a pessoa pode apresentar, por
exemplo, uma pequena hipertrofia apesar de ter eletrocardiograma e teste
ergométrico normais.
O ecocardiograma pode sugerir uma doença em fase inicial ou
até congênita que não se expressou até aquele momento. Todavia, na hora em que
o músculo cardíaco é solicitado, descobre-se um processo em andamento. O
principal objetivo desse exame é determinar se existem alterações como a
hipertrofia, ou seja, o aumento do músculo do coração.
Drauzio – Recapitulando: o eletrocardiograma é feito com a
pessoa em repouso. Deu normal, ela é encaminhada para o teste ergométrico para
ver se, sob esforço, o coração comporta-se da mesma maneira. Mesmo que o
resultado tenha sido normal, pede-se um ecocardiograma para analisar todas as
estruturas cardíacas. Se o resultado também for normal, você para por aí?
Carlos Alberto Pastore – Se todos os resultados estiverem
dentro da faixa de normalidade, podemos parar por aí. Claro que em medicina não
existe 100%, mas o teste ergométrico, o eletrocardiograma, o ecocardiograma e
os exames laboratoriais que são feitos paralelamente possibilitam uma avaliação
bastante boa, o que permite orientar o paciente para a prática de exercícios.
Existe um exame mais sofisticado, a ergoespirometria,
indicado para atletas cuja exigência de reservas é muito grande. Além de
avaliar a resposta ao teste ergométrico convencional, esse exame avalia também
a troca de gases.
CINTILOGRAFIA E CATETERISMO
Drauzio – Vamos imaginar que o eletrocardiograma tenha sido
normal e a prova de esforço venha alterada. Que conduta adotar nesse caso?
Carlos Alberto Pastore – Às vezes, aparece uma alteração
elétrica que pode sugerir alguma anormalidade no músculo cardíaco ou nas
coronárias. Como o exame não define se existe doença e apesar de ocorrerem
falsos positivos, a solução é recorrer a um teste ergométrico sofisticado que
utiliza recursos da medicina nuclear. Durante a atividade física na esteira, no
pico do exercício, injeta-se na veia um isótopo radioativo, isto é, uma
substância ávida pelo músculo cardíaco para que um aparelho externo capte em
que medida ela impregnou o coração. A imagem que se obtém é tridimensional e
deixa ver como está a irrigação em todas as áreas cardíacas. Trata-se de um
exame não invasivo, bastante sensível, com possibilidade de revelar mesmo
alterações muito pequenas. Na verdade, sua interpretação permite verificar como
trabalha o coração e se existe alguma isquemia, ou seja, alguma região em que o
sangue não circula direito.
Se esse exame der normal, não há por que continuar a
avaliação.
Drauzio – E se o resultado estiver alterado, qual o passo
seguinte?
Carlos Alberto Pastore – Precisamos partir para a
cineangiocoronariografia, mais conhecida como cateterismo, exame feito por uma
punção na artéria por onde se introduz um cateter que vai até as artérias
coronárias que irrigam o coração. A seguir, injeta-se um contraste e filma-se a
vascularização do órgão. Considerado o exame mais completo para detectar se
existe obstrução nas coronárias, o cateterismo é um exame invasivo, mas sem
grande risco.
Drauzio – O cateterismo é o ponto final da avaliação
cardiológica?
Carlos Alberto Pastore – Hoje, fazemos o cateterismo só em
situações extremamente graves. Se a pessoa chega queixando-se de dor no peito e
o diagnóstico do eletrocardiograma é infarto do miocárdio, é preciso fazer um
cateterismo rapidamente para tentar desobstruir a artéria comprometida.
No entanto, na avaliação cardiológica, ele não cabe, porque
temos condições de verificar o desempenho do coração recorrendo a outros exames
bastante confiáveis e não invasivos. Feitos com periocidade, eles permitem
determinar a evolução da doença.
Drauzio – Com que frequência esses exames devem ser
repetidos?
Carlos Alberto Pastore - Uma vez por ano é um tempo
adequado. Pessoas muito saudáveis fazem a cada dois anos, mas isso não é
recomendado porque estão sempre aparecendo novos tipos de tratamento, por
exemplo, para controlar o colesterol ou associar medicações. Em cardiologia, os
avanços ocorrem muito rápido e a prevenção deva começar precocemente.
EXAMES LABORATORIAIS
Drauzio – Além desses exames para avaliar o desempenho do
coração que requerem aparelhos para serem realizados, existem os exames de
sangue de rotina. Vamos falar um pouco sobre eles.
Carlos Alberto Pastore – Existe um empenho mundial em
estudar a genética do infarto, porque definir os marcadores que vão levar à
inflamação das artérias e predispor à aterosclerose é muito importante para
prevenção. Numa pessoa com histórico familiar, os exames do colesterol e suas
frações, dos triglicérides e de alguns marcadores, como proteína C-reativa e
homocisteína, são importantes para estimar o risco de doença cardíaca.
Drauzio – Você tem insistido na questão da genética, que
realmente é muito importante. Além das pessoas com história familiar de doenças
do coração, que outras pertencem ao grupo de risco?
Carlos Alberto Pastore – Eu diria que diabetes, obesidade e
hipertensão arterial estão entre as que têm chamado mais atenção, porque são
doenças que agridem o endotélio (tecido que reveste os vasos sanguíneos), que
inflama e isso facilita a deposição de colesterol nas artérias. Portanto, o
indivíduo que é diabético, hipertenso, obeso, tem ácido úrico elevado e fuma
agregou fatores que agridem o endotélio e está mais propenso às doenças do
coração.
Drauzio – De quanto em quanto tempo, pessoas com fatores de
risco associados devem passar por avaliação cardíaca?
Carlos Alberto Pastore – Pelo menos uma vez a cada semestre,
porque manter pressão arterial e diabetes bem controlados é importante para
diminuir a agressão ao endotélio. Além disso, se perder peso e praticar alguma
atividade física, estará contribuindo para a melhora das condições arteriais.
Todos esses cuidados não substituem a medicação, quando ela
é necessária. As pessoas acham que conseguem fazer a prevenção sem tomar
remédios. Infelizmente, a genética demonstrou que, muitas vezes, isso não é
possível. Algumas medicações são fundamentais e indispensáveis para proteger as
paredes internas das artérias e para baixar os níveis de colesterol.
Drauzio – Não há dúvida de que o comprometimento do
endotélio facilita a formação da placa de gordura que provoca a obstrução das
artérias, mas há pessoas que dizem haver exagero na prescrição das drogas para
controlar o colesterol. Qual é sua opinião a respeito do assunto?
Carlos Alberto Pastore – As estatinas são conhecidas há 20,
30 anos. Descobertas por acaso, demonstraram ser eficazes não só para baixar os
valores do colesterol, mas também como anti-inflamatórios. Cada vez mais
sofisticadas e eficientes, atuam sobre o endotélio, diminuindo a inflamação.
Na verdade, as estatinas mudaram o caminho da doença
aterosclerótica e são indicadas para diabéticos e hipertensos, em razão dos
benefícios que trazem na evolução da doença cardiovascular. Por causa de sua
ação anti-inflamatória, também estão sendo usadas na artrite reumatoide e pelos
oftalmologistas e levanta-se a possibilidade de utilizá-las na doença de
Alzheimer.
Portanto, posso dizer com tranquilidade que a indicação
dessa droga tem-se mostrado cada vez mais importante no controle de certas
doenças.
Drauzio – Em que você se baseia para indicar as estatinas
para o controle do colesterol?
Carlos Alberto Pastore – Os valores do colesterol
solicitados estão cada vez mais baixos e há pacientes que não conseguem
deixá-los menores do que 200 apenas com dieta. Às vezes, é muito difícil mesmo.
O resultado de uma dieta espartana não provoca mais do que 20% na redução dos
valores do colesterol e ninguém suporta mantê-la por mais de dois meses. Então,
é necessário apelar para o bom senso e associar à dieta um pouco de medicação,
deixando liberdade para as extravagâncias nos finais de semana. Pessoas com
predisposição genética para o aumento do colesterol não podem levar a vida
comendo o que querem todos os dias. Precisam de cuidado com a dieta e de
medicação.
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