A Confusão a Respeito do Milênio
Keith Mathison 05 de Junho de 2014
- Teologia
Certa vez ouvi alguém
definir o milênio como um período de mil anos durante os quais os cristãos
brigarão por uma interpretação apropriada do livro de Apocalipse. Embora seja
engraçada, essa definição está obviamente incorreta. Os cristãos têm discutido
sobre a interpretação adequada do livro de Apocalipse por dois mil anos. Em
toda a seriedade, contudo, toda a discussão levou alguns cristãos a adotarem
desesperadamente uma posição que eles chamam de pan-milenismo (nós não sabemos
qual visão do milênio está correta, mas sabemos que tudo vai ficar bem no
final).
A palavra milênio se refere aos “mil anos” mencionados em
Apocalipse 20. Visto que esse capítulo é encontrado em um dos mais difíceis
livros do Novo Testamento, sua interpretação adequada é polêmica. Como
resultado, existem quatro visões principais do milênio defendidas na igreja
hoje: pré-milenismo histórico, pré-milenismo dispensacionalista, amilenismo e
pós-milenismo. Os prefixos pré- e pós- antes da palavramilênio têm a ver com o momento da segunda vinda de Cristo em relação ao
próprio milênio. O termo pré-milenismo se refere à crença de que a Segunda Vinda ocorrerá antes do
milênio. O termo pós-milenismo se refere à crença de que a Segunda Vinda ocorrerá após o
milênio. Na verdade, o amilenismo é uma versão do pós-milenismo nesse sentido,
porque os amilenistas creem que a segunda vinda de Cristo ocorrerá após o
milênio. Há outras diferenças que distinguem os amilenistas dos pós-milenistas.
Um entendimento de quais propostascada uma dessas visões têm ensinado
historicamente fornece um contexto útil para atuais discussões sobre Apocalipse
20.
Pré-milenismo
Histórico
O pré-milenismo histórico
ensina que no fim do presente século haverá uma grande tribulação seguida pela
segunda vinda de Cristo. Na vinda de Cristo, o Anticristo será julgado, os
justos serão ressuscitados, Satanás será preso e Cristo estabelecerá o seu
reino na terra, o que durará mil anos e será um tempo de bênção sem precedentes
para a igreja. No fim do milênio, Satanás será solto e instigará uma rebelião,
que será rapidamente subjugada. Nesse momento, os injustos serão ressuscitados
para o julgamento, e o estado eterno terá início.
O pré-milenismo histórico
teve seus proponentes na igreja desde pelo menos o segundo século DC em diante.
Foi ensinado, por exemplo, por Ireneu (140-203) e Justino Mártir (100-165), e
pode ter sido ensinado no final do primeiro século por Papias (80-155). Alguns
dentro da tradição reformada, como James Montgomery Boice, ensinaram essa
visão. O mais notável proponente do pré-milenismo histórico no século vinte foi
George Eldon Ladd, cujos comentários no livro do Apocalipse argumentam
fortemente em favor dessa posição.
Pré-milenismo
Dispensacionalista
O pré-milenismo
dispensacionalista oferece a mais complexa cronologia do fim dos tempos. De
acordo com o dispensacionalismo, o presente século terminará com o
arrebatamento da igreja, que, junto com a aparição do Anticristo, marca o
início dos sete anos da grande tribulação na terra. A tribulação terminará com
a batalha do Armagedom, no meio da qual Cristo retornará para destruir os seus
inimigos. As nações serão, então, reunidas para o julgamento. Aqueles que
apoiaram Israel entrarão no reino milenar de Cristo, e o resto será lançado no
Hades para aguardar o último julgamento. Cristo sentará no trono de Davi e
governará o mundo a partir de Jerusalém. Israel receberá lugar de honra entre
as nações novamente. O templo terá sido reconstruído e os sacrifícios do templo
serão instituídos novamente como sacrifícios memoriais. No fim do milênio,
Satanás será solto e liderará os incrédulos em rebelião contra Cristo e a Nova
Jerusalém. A rebelião será subjugada através de fogo dos céus, e Satanás será
lançado no lago de fogo. Os perversos serão trazidos diante do Grande Trono
Branco, julgados e lançados no lago de fogo; e nesse ponto começará o estado
eterno.
A versão
dispensacionalista foi originada no século dezenove dentro do Movimento
Brethren. Suas características aparecem pela primeira vez nos escritos de John
Nelson Darby (1800-1882). O pré-milenismo dispensacionalista se popularizou
rapidamente nos Estados Unidos através do movimento chamado de Bible Conference
Movement. Foi popularizado por C.I. Scofield nas notas de sua Bíblia de
referência e sistematizado por Lewis Sperry Chafer, o fundador do Dallas
Theological Seminary e autor de um texto de teologia sistemática
dispensacionalista de oito volumes. No século vinte, essa visão foi ensinada em
um nível mais acadêmico por homens como John Walvoord, Charles Ryrie e J.
Dwight Pentecost, e foi popularizado por escritores como Hal Lindsey e Tim
LaHaye.
Pós-milenismo
O pós-milenismo ensina
que os “mil anos” de Apocalipse 20 ocorrem antes da segunda vinda de Cristo.
Até recentemente, a maioria dos pós-milenistas ensinavam que o milênio seriam
os últimos mil anos do presente século. Hoje, muitos pós-milenistas ensinam que
a era do milênio é todo o período entre o primeiro e o segundo advento de
Cristo. Como veremos, isso significa que versões contemporâneas do pós-milenismo
são muito próximas em muitas maneiras ao amilenismo contemporâneo. A principal
diferença entre os dois não é tanto o momento do milênio, mas a natureza do
milênio. Em geral, o pós-milenismo ensina que no presente século, o Espírito
Santo atrairá multidões sem precedentes para Cristo através da fiel pregação do
evangelho. Entre as multidões que serão convertidas estão os israelitas étnicos
que, até então, rejeitaram o Messias. No fim do presente século, Cristo
retornará, haverá uma ressurreição geral dos justos e injustos, e o julgamento
final acontecerá.
O pós-milenismo foi
defendido amplamente entre os puritanos. Ele também foi a visão dominante entre
teólogos reformados dos séculos dezoito e dezenove. Foi ensinado, por exemplo,
por homens como Jonathan Edwards, Charles Hodge, James Henley Thornwell,
A.A. Hodge e B.B. Warfield. Por terem os liberais adotado uma versão
humanista dessa escatologia, o pós-milenismo sofreu um declínio no século
vinte, mas tem sido visto um ressurgimento nos últimos vinte ou trinta anos.
Livros que apoiam essa visão foram publicados por homens como Loraine Boettner,
J. Marcellus Kik, Kenneth Gentry, John Jefferson Davis e eu mesmo.
Amilenismo
O amilenismo vê
Apocalipse 20 como uma descrição do reino de Cristo com o santos ao longo de
todo o presente século. Alguns amilenistas enfatizam o reino de Cristo com os
santos nos céus, enquanto outros ensinam que esse reino também está conectado
com a igreja militante aqui na terra. Amilenistas tendem a argumentar que o
crescimento do reino de Cristo possui poucas, se é que possui, manifestações
visíveis. O foco está mais no sofrimento pelo qual Cristo indicou que a igreja
passaria. De acordo com o amilenismo, o presente século milenar, que é
caracterizado pelo sofrimento, será seguido pela segunda vinda de Cristo, a
ressurreição geral, o último julgamento e os novos céus e nova terra.
O amilenismo também tem
sua origem na igreja primitiva. Agostinho (354-430) ensinou uma versão do
amilenismo que influenciou a igreja ao longo da Idade Média até a Reforma.
Dentro da tradição reformada, a versão contemporânea do amilenismo começou a se
distinguir das antigas formas de pós-milenismo no final do século dezenove e
início do século vinte. O teólogo do século dezenove Herman Bavinck, por
exemplo, foi um convicto proponente do amilenismo. No século vinte, a visão foi
ensinada por teólogos como Geerhardus Vos, Louis Berkhof, Anthony Hoekema,
Cornelis Venema, Kim Riddlebarger e Sam Storms. Alguns amilenistas
contemporâneos não gostam do termo amilenismo porque o prefixo a- significa “não” ou “sem”, então amilenismo
significa literalmente “sem milênio”. Um amilenista, Jay Adams, sugeriu o termo
“milenismo realizado” no lugar.
Conclusão
As versões de
pós-milenismo que reconhecem o milênio como sendo um símbolo de todo o presente
século diferem em apenas poucos aspectos do amilenismo. Pré-milenistas, como
George Ladd, que entendem que o reino de Cristo já foi inaugurado em conexão
com os eventos do primeiro advento de Cristo estão mais próximos do que podemos
perceber dessas formas de pós-milenismo e amilenismo. Todos nós deveríamos
separar um tempo para entender as visões daqueles de quem discordamos e
entender os argumentos bíblicos que eles utilizam. Nós podemos ainda assim não
concordar. Há muito mais trabalho exegético a ser feito antes que qualquer
esperança de consenso seja possível, mas deveria nos encorajar o fato do
trabalho estar sendo feito por teólogos bíblicos e sistemáticos. Apesar das
discordâncias remanescentes, podemos nos alegrar com o fato de que todos
concordamos que Jesus está vivo e que foi dada a ele toda autoridade nos céus e
na terra.
Tradução: Alan Cristie
Fonte:
Nenhum comentário:
Postar um comentário