A História Manuscrita do Novo
Testamento
Nataniel dos Santos Gomes (UNESA)
Introdução
Num
período de quase 1500 anos o Novo Testamento foi copiado à mão em papiro e
pergaminho. Temos notícia de uns 5500 manuscritos espalhados em museus e
bibliotecas pelo mundo afora. Os documentos vão desde fragmentos de papiro até
Bíblias inteiras em grego, produzidas a partir da invenção da imprensa.
É
notório que nem todos os manuscritos concordam. Essas pequenas variações
requerem uma avaliação cuidadosa para determinar o que ao autor realmente
escreveu. Não existe mais nenhum manuscrito original, vamos depender tão
somente de cópias dos textos-fontes de autores apostólicos. Por isso precisamos
da crítica textual.
Acreditamos
que a Bíblia é plena e verbalmente inspirada no seu original. A nossa intenção
é procurar dar maior segurança possível ao leitor quanto à fidedignidade da
fonte grega de todas versões que temos hoje.
Os problemas
O
apóstolo Paulo diz em sua carta aos gálatas: “Vede com que letras grande vos
escrevi de meu próprio punho” (6.11). Agora, imaginemos como seria
impressionante poder ver a epístola no original ou ver como apóstolo assinava
seus textos. Mas, infelizmente, todos os originais já desaparecem e o confronto
da cópia de um manuscrito com o original ou com outra cópia, para verificar a
correspondência entre os respectivos textos e assim analisar a maior ou menor
autoridade para escolha do texto exato é impossível.
É
importante percebermos que uma das razões para o fim prematuro dos autógrafos
do Novo Testamento foi a pouca durabilidade do papiro, que não durava muito
mais que o papel atual. É bem possível que os cristãos primitivos tenham lido e
relido os originais até que eles se desfizeram por completo. Mas antes que os
textos desaparecessem, eles foram copiados. E aí estamos com um outro problema:
os erros introduzidos nos textos mediante as cópias feitas manualmente.
Até
a invenção da imprensa, muitos erros foram cometidos, resultado natural da
fragilidade dos copistas. E obviamente, à medida, que aumentavam as cópias,
mais cresciam as divergências entre elas. Afinal cada copista acrescentava os
próprios erros àqueles já cometidos pelo anterior. O objetivo da Crítica
Textual tem sido de avaliar as fontes e reconstruir o texto com a maior
probabilidade de ser o original.
Dificuldades de trabalho
O
primeiro desafio da Edição Crítica do Novo Testamento está na distância entre
as cópias mais completas e os originais. O texto sagrado estava completo por
volta do ano 100, sendo que a grande maioria dos livros que o compõem já exista
há pelo menos 20 anos antes dessa data, alguns até 50 anos antes, e de todas as
cópias manuscritas que chegaram até nós, as melhores e mais importantes são do
século IV. Ou seja, a distância entre os autógrafos chega perto de três
séculos. Isso faz com que o Novo Testamento seja a obra mais bem documentada da
Antigüidade.
Só
para ilustrar a afirmação acima podemos dizer que os Clássicos (gregos e
latinos), que poucas pessoas questionam a autenticidade, possuem um espaço
muito maior entre os autógrafos e as cópias. Por exemplo, a cópia mais antiga
que se conhece de Platão foi escrita 1300 anos depois de sua morte. Um único
dos clássicos que se aproxima do Novo Testamento é Virgílio, falecido no ano 8
a.C., que encontramos um manuscrito completo de suas obras no século IV d.C.
Nesse
aspecto, a situação do Novo Testamento é bem diferente. Temos manuscritos do
século IV, em pergaminho, e um número considerável de fragmentos em papiro de
praticamente todos os livros que compõem o Novo Testamento, que nos levam até o
século III, e alguns até o século II.
Há
um segundo obstáculo: o grande número de documentos disponíveis. Conforme foi
dito no início do trabalho, existem cerca de 5500 manuscritos gregos (língua
que o Novo Testamento foi escrito) completos ou fragmentos, fora
aproximadamente 1300 manuscritos das versões e milhares de citações dos Pais da
Igreja. Ou seja, o problema não está na falta de evidências textuais, mas no
excesso. Assim, temos mais um problema que resulta em vantagem, afinal temos
uma multiplicação de manuscritos que oferecem ensejo para os mais variados
erros e muito mais elementos de comparação. Isso faz com que o texto tenha
muito mais apoio crítico do que qualquer outro livro da antiguidade.
O
terceiro desafio é o número assustador de variantes existentes. Num processo
natural de multiplicação de manuscritos por um período de mais ou menos 1400
anos, foram surgindo inúmeras variações textuais. Notemos que as variações são
de pouca importância doutrinária. Por exemplo, são variações na ordem de
palavras, no uso de diferentes preposições e outras, o que na prática não tem
como ser representado na língua portuguesa.
A preparação do texto
Conforme
dissemos acima, até o século XV, os textos eram transmitidos a partir de cópias
manuais, usando material muito rústico.
Papiro
O
papiro foi utilizado nas primeiras cópias do Novo Testamento, já que era o
principal material de escrita da Antigüidade.
O
papiro era um tipo de junco, com caule triangular, com a grossura de um braço,
com altura que variava entre 2 e 4 metros, que crescia nas margens do Lago
Huleh, na Fenícia, no vale do Jordão e junto Nilo (onde foram encontrados os
mais antigos fragmentos de papiro conhecidos, que constam de 2850 a.C.). A
folha era feita com a medula do caule cortada em tiras estreitas e postas em
duas camadas transversais sobre uma superfície plana. Depois eram batidas com
um objeto de madeira, e se colocavam por causa da substância liberada da
medula. Em seguida era seca ao sol e alisada, e estava pronta para a escrita.
O
tamanho médio de uma folha era de 18 x 25cm, que podia variar de acordo com a
finalidade. Várias podiam ser coladas pela borda para formar um rolo, que
geralmente não tinha mais do que 10 metros de comprimento. O texto normalmente
aparecia em colunas de 7 cm de altura, com intervalo de 1,5 cm ou 2 cm, com um
pequeno espaço para correções e anotações. As margens superiores e inferiores
eram maiores. A margem do começo do rolo era ainda maior. Nos rolos utilizados
com maior freqüência, usa-se um bastão roliço, cujas pontas sobressaiam acima e
abaixo.
Como
regra só se escrevia sobre um lado, exceto em caso de escassez que se utilizava
o verso. A tinta era feita com fuligem, goma e água, e a escrita era feita com
uma cana de 15 a 40 cm de comprimento, de uma planta vinda também do Egito.
O
papiro foi utilizado como material para escrita até a conquista do Egito pelos
árabes, em 641, quando ficou impossível importar o material. Sendo utilizado
principalmente na literatura secular a partir do século IV.
A
primeira descoberta moderna de papiros ocorreu em 1778 numa província do Egito,
chamada Fauim, dessa data em diante, milhares têm sido descobertos,
principalmente no Egito, graças ao clima seco que favorece em muito a sua
preservação.
O pergaminho
Outro
material utilizado era o pergaminho, que era mais durável que o papiro. Ele era
feito em peles de carneiro ou ovelha submetido a um banho de cal e em seguida
raspada e polida com pedra-pomes. Depois eram lavada, novamente raspadas e
colocadas para secar em molduras de madeira a fim de evitar pregas ou rugas. No
final do processo recebiam uma ou mais demãos de alvaidade. A etimologia vem da
cidade de Pérgamo, onde processo foi desenvolvido por volta do século II a.C.
É
interessante perceber que o seu uso já era conhecido desde o século XVIII a.C.,
só que bem menos utilizado do que o papiro. O pergaminho só conseguiu superar o
papiro somente no século IV d.C, por causa do seu custo elevado, até o final da
Idade Média, quando foi substituído pelo papel, que foi inventado na China
começo do século I, e no século XII, foi introduzido na Europa por comerciantes
árabes.
Os
pergaminhos eram escritos com penas de bronze ou cobre. Os remígios de ganso
acabaram substituindo as peças metálicas. A tinta era feita a partir de
substâncias vegetais ou minerais. A cor mais comum era preta ou a vermelha,
todavia eram produzidas tintas douradas e prateadas. As linhas eram marcadas
por um estilete, podendo ser horizontais ou verticais.
Há
um tipo de pergaminho conhecido como palimpsesto, que era aquele cuja obra
havia sido raspada para receber um texto novo, já que o material era caríssimo.
Tal prática foi condenada para o uso de pergaminhos bíblicos para outros
propósitos no ano de 692, pelo Concílio de Trullo. Usam-se vários métodos para
que se possa restaurar o texto original: reagentes químicos (que acabavam
estragando o pergaminho); fotografia de palimpsesto (iluminação do pergaminho
com raios ultravioleta afim de enxergar a escrita).
Códice
Adotou-se
o preguear dos manuscritos nas suas bordas e juntar uma série, formando uma
espécie de caderno. Em obras maiores, faziam-se cadernos com um número menor de
folhas, mas dobradas, como nos livros modernos. Os cadernos variavam de oito,
dez ou doze folhas, todavia já foram encontrados até com cem. Surgem os
chamados códices.
Os
estudiosos têm afirmado que os códices surgiram primeiramente em Roma, no início
do Cristianismo. Os cristãos, por questões de praticidade, foram os
responsáveis pela popularização do tipo: permitindo que os textos bíblicos
estivessem num único livro, a maior rapidez na localização de passagens, mais
baratos (escritos dos dois lados da folha).
Em
segundo lugar, os gentios convertidos ao cristianismo, parece que optaram pelo
códice para diferenciar dos livros usados pelos judeus e pelos pagãos.
Escrita
A
escrita mais comum nos manuscritos mais antigos do Novo Testamento, assim como
de muitos textos literários era a uncial ou maiúscula. No texto sagrado ela era
caracterizada por ser mais arredondada do que nos documentos literários, sem
espaço entre palavras, sem pontuação e com abreviações bem definidas.
A
outra forma de escrita era com letras menores ligadas, chamadas de cursivas.
Usada, principalmente, com cartas familiares, recibos, testamentos etc.
Normalmente os termos “cursivo” e “minúsculo” são empregados sem distinção.
Alguns atribuem o primeiro à escrita informal e de documentos não-literários e
o segundo para os literários desenvolvidos a partir da cursiva.
No
século IX, ocorreu uma reforma na escrita, passou a usar letras pequenas,
chamadas de minúsculas na produção de livros. Mais fluidas e rápidas,
demandavam menos tempo e reduziam o preço dos manuscritos, apesar da difícil
leitura.
A
mudança foi gradual. Fixa-se o século XI, como o período no qual somente as
minúsculas eram utilizadas. Muitos manuscritos no período intermediário, foram
produzidos numa forma de combinação de uncial com minúscula.
Abreviações
O
uso de abreviações já aparece nas cópias mais antigas do Novo Testamento,
provavelmente com objetivo de poupar espaço. Elas eram do tipo contração,
suspensão, ligaturas ou símbolos. É importante salientar que as contrações,
diferentemente, das outras abreviações, são utilizadas como forma de reverencia
ao nome Deus, principalmente no texto hebraico. É notório que essa prática é
limitada ao texto bíblico e outras fontes cristãs, mas quando essas palavras
estão sendo utilizadas em outro sentido, elas não são contraídas.
Formato
Os
manuscritos eram variados em relação ao formato ou tamanho. Os menos eram de
uso privado, os maiores na liturgia. O menor conhecido é o do Apocalipse, do
século IV, de apenas uma página, que mede 7,7 x 9,3 cm e o maior é chamado
Códice Gigante, do século XIII, com 49 x 89,5 cm.
O
texto não seguia nenhuma forma muito rígida na página. Os papiros possuíam
dezenas de colunas, os códices eram limitados ao tamanho das páginas.
Orientações para o leitor
Mesmo
nos manuscritos mais antigos, encontramos freqüentemente o uso de informações
auxiliares. Por exemplo:
Prólogos: exceto
o Apocalipse, todos os textos do Novo Testamento trazem notas introdutórias,
tratando do autor do conteúdo e a origem do texto. Os prólogos foram preparados
durante períodos de controvérsias em a Igreja de Roma e Marcião, defensor cânon
com o evangelho de Lucas e dez epistolas de Paulo, no século II.
Capítulos. Eusébio
preparou uma divisão em seções para fins sinópticos, mas na maioria dos
manuscritos encontramos outro tipo de divisão, ordenando os textos em relação
ao conteúdo. Cada seção é identificada como um capítulo, levando uma inscrição.
A divisão em capítulos, utilizada nas edições modernas, foi criada bem no início
do século XIII, pelo arcebispo de Cantuária, Estevão Langton. Já a divisão em
versículos surgiu com o editor parisiense Roberto Estáfano: o NT em 1551 e o AT
em 1555.
Fontes documentais
As
fontes documentais dividem-se em: (a) manuscritos gregos, (b) antigas versões e
(c) citações feitas por autores cristãos antigos.
(a) Manuscritos gregos
São
aproximadamente 5500, classificados de acordo com o material e o estilo da
escrita: papiros, unciais e minúsculos,
Papiros
São
conhecidos 96 papiros, escritos em uncial até o século IV. A maioria são
fragmentos de códices. São os manuscritos mais antigos conhecidos do Novo
Testamento.
Unciais
São
os manuscritos feitos em pergaminho quando o papiro caiu em desuso, no século
IV, e utilizados até o século XI, ou seja, durante sete séculos. A escrita
manteve o mesmo padrão dos papiros, somente um pouco maiores.
Minúsculos
São
manuscritos que carecem de valor crítico; são importantes apenas como
testemunhas da história medieval do texto do Novo Testamento. Foram documentos
preparados em escrita minúscula, entre os séculos IX e XVI, quando começam a
surgir textos gregos impressos.
Lecionários
Os
cristãos herdaram uma prática comum entre os judeus: ler textos bíblicos nas
reuniões de culto em unidades adequadas ao calendário anual ou à ordem
eclesiástica. Nesta prática eles usavam os chamados lecionários. Alguns
apresentavam lições completas para cada dia da semana, outros só para sábados,
domingos ou dias santificados. Provavelmente os lecionários surgiram no fim do
século III ou início do século IV.
Óstracos
Na
Antiguidade, ainda podemos encontrar um outro tipo de material, o óstraco:
fragmentos de jarro quebrado ou louça contendo frases curtas, escritas com
objetos pontiagudos. Representam a literatura de uma classe que não podia
comprar o papiro ou que não considerava tal escrita importante o suficiente
para justificar tal compra.
Talismãs
São
fontes preparadas como talismãs ou amuletos, em madeira, cerâmica, papiro ou
pergaminho. Contêm partes do Texto Sagrado. São conhecidos apenas nove talismãs
do Novo Testamento.
(b) Antigas versões
Conforme
afirmado acima, a segunda fonte mais importante para chegarmos à vontade última
dos autores do Novo Testamento são as antigas versões. Surgidas em decorrência do
Cristianismo, que se espalhava pelo mundo grego. As versões surgem para aqueles
que não dominavam a língua grega. Os manuscritos mais antigos não ultrapassem o
início do século IV ou, quando muito, o final do III, o texto que evidenciam
representa um estágio de desenvolvimento provavelmente não posterior ao final
do século II. Daí o valor das versões para a crítica textual não estar
propriamente nelas mesmas, mas nas indicações que dão do texto grego de que
foram traduzidas.
Siríaca
Provavelmente,
as primeiras traduções do Novo Testamento foram feitas em siríaco, língua
falada na Mesopotâmia, na Síria e em partes da Palestina, com algumas
diferenças dialetais, por volta do ano 150. A tradução surgiu da necessidade de
leitura de pessoas que tinham dificuldade com o grego.
Latina
São
conhecidas duas versões: a Antiga Latina, traduções feitas até o século IV, e a
Vulgata Latina, feita por Jerônimo no final do século IV e início do V.
Presume-se que as traduções latinas começaram no norte da África, em Cartago,
que era um dos centros da cultura romana, provavelmente no final do século II.
Outras traduções começaram a surgir em países europeus em que o grego estava em
declínio, sendo superado pelo latim. Portanto, a Antiga Latina está dividida em
duas famílias ou grupos de traduções: a africana, mais antiga e mais livre em
relação ao original, e a européia consistem em nova tradução. Alguns têm
pensado numa terceira família, a italiana, provavelmente surgida no século IV
para amenizar as diferenças entre as outras duas traduções. Todavia, a maioria
dos críticos não aceita essa tríplice divisão, eles argumentam a terceira
família representa apenas uma forma da Vulgata.
Com
tantas traduções é inevitável um maior número de divergências textuais.
Agostinho já falava nas dúvidas que as inúmeras traduções traziam. Jerônimo foi
designado pelo Papa Damaso em 383 a rever toda a Bíblia Latina. No ano seguinte
a revisão dos evangelhos ficou pronta, onde as variações eram maiores. Jerônimo
procurou eliminar as adições e harmonizações presentes nas versões latinas e
fez alterações em 3500 lugares. Em 405, toda a Bíblia ficou pronta e só muito
lentamente foi conquistando prioridade, até que nos séculos VIII e IX impôs-se
de modo quase universal, embora a Antiga Latina continuasse sendo copiada e
usada até por volta do século XIII. O título honorífico de “Vulgata”, (“comum”
ou “de uso público”) dado pela primeira vez no final da Idade Média. Ela acabou
se oficializando como a Bíblia oficial Católica no Concílio de Trento, em 1546.
Copta
O
copta significa o último estágio da língua egípcia antiga. No início do
Cristianismo ela consistia em meia dúzia de dialetos e era escrita em unciais
gregos com outras letras. O Cristianismo entra com facilidade nessa região
graças às colônias judaicas ali existentes, principalmente na Alexandria.
Portanto, foi ali, longe da influência do grego, que fez-se necessária a
primeira tradução copta do Novo Testamento, no início do século III.
Outras versões
Há
um número grande de outras versões antigas, como a Gótica, a Armênia, a Etíope,
a Geórgica, a Nubiana, a Arábica e a Eslava, mas de menor importância para a
crítica textual, por não haverem sido traduzidas diretamente do texto grego. A
Armênia, conhecida como “a rainha das versões”, por sua beleza e exatidão, é
que preserva o maior número deles: cerca de 1300.
(c) Citações patrísticas
As
citações dos Pais da Igreja (antigos escritores cristãos) representam o
terceiro grupo de fontes documentais para o estudo crítico do Novo Testamento:
citações encontradas nos comentários, sermões, cartas e outros trabalhos dos
chamados Pais da Igreja, especialmente os situados até os séculos IV ou V. É
importante perceber que são tantas as citações que poderíamos reconstituir
quase todo o Novo Testamento através delas, mesmo sem os manuscritos gregos e
versões. Somente com Orígenes isso quase já seria possível.
O
problema das citações é que a maioria delas foi feita de memória, portanto, são
inexatas. Contudo são importantes por evidenciarem o texto antigo, do qual
pouco testemunho de manuscrito existe, quanto por demonstrar as primeiras
tendências que influenciaram o desenvolvimento histórico do texto
neotestamentário. Em quase todos os casos podem ser datadas e localizadas
geograficamente, permitindo também que se verifique a data e a procedência
geográfica dos manuscritos. As citações dos Pais da Igreja representam um
auxílio valioso para a reconstituição da história primitiva do texto do Novo
Testamento e, por conseguinte, de sua mais antiga forma textual acessível.
A história do texto escrito
Agora
estamos no núcleo do problema do Novo Testamento: a tentativa de explicar o
surgimento das primeiras leituras divergentes e a influência que elas exerceram
em todas a transmissão do texto.
Cópias livres
Quando
o Cristianismo estava sob intensa oposição judaica e romana, os livros do Novo
Testamento, nem sempre as cópias podiam ser preparados em nas melhores
circunstâncias. À exceção de Lucas, que era médico e provavelmente conseguiu
recursos financeiros com o Teófilo, para quem o Evangelho e o Livro dos Atos
são dedicados, mostra um grande cuidado no preparo do texto. É bem possível que
Teófilo tenha financiado as primeiras cópias e tenha influenciado a audiência
seleta e mais numerosa do livro. Todavia parece que nenhum outro escritor
apostólico pôde dispor de tantos recursos em seus trabalhos literários. Paulo
também era erudito, mas, além de parecer sofrer de deficiência visual, algumas
epístolas ainda tiveram de ser escritas enquanto era prisioneiro, o que em
certo sentido também aconteceu com João em relação ao Apocalipse. É óbvio
nessas circunstâncias tanto Paulo quanto João, além de Pedro, utilizavam-se de
assistentes, contudo é bem pouco provável que fosses redatores profissionais.
Provavelmente
as primeiras cópias passaram pelo mesmo problema, já que as cartas apostólicas
eram enviadas a uma congregação ou a um individuo, ou os evangelhos escritos
para satisfazerem às necessidades de um público leitor em particular, os
autógrafos estavam separados e espalhados entre as várias comunidades cristãs
e, ao ser copiados, não tiveram a oportunidade de receber um tratamento
profissional. Por causa da situação financeira e da necessidade de reproduzir
os textos, que tinham pouca durabilidade, além da rápida expansão do
Cristianismo, as comunidades utilizavam copistas amadores e pessoas
bem-intencionadas. Paulo cita em sua epistola aos colossenses (4:16) uma carta
à igreja de Laodicéia, que não temos nenhuma cópia. O texto parece indicar que havia
troca de correspondências entre as várias igrejas ainda no período apostólico,
mediante a elaboração e o envio de cópias.
Assim,
os originais começaram a ser reproduzidos dentro do chamado período apostólico,
e as primeiras variantes começaram, por causa da falta de um revisor.
É
claro que uma outra fonte de variantes era o próprio descuido na exatidão
literal. Os cristãos não tinham a mesma preocupação que os judeus ao citarem o
Antigo Testamento, estavam mais interessados no sentido do que no texto
propriamente dito. Por isso, os Pais da Igreja citam muitas vezes o texto de
maneira inexata, valendo-se de alusões e da memória. Que são, na realidade,
variantes intencionais, a maior parte das variantes do texto sagrado dos
cristãos. São correções com base na preferência pessoal, na tradição ou em
algum relato paralelo.
Não
quer dizer que os cristãos não considerassem o Novo Testamento como
“Escritura”. Vemos que tanto o Novo como o Antigo Testamento são colocados no
mesmo patamar de importância. O apóstolo Pedro classifica alguns textos do
apóstolo Paulo “Escritura”. Possivelmente a primeira coleção de textos paulinos
foi feita na Ásia Menor, no período apostólico. Na Epistola de Barnabé, no
Didaquê e na carta escrita à Igreja de Corinto por Clemente (todas obras as
três obras pós-apostólicas de regiões distintas, que eram antigos centros do
cristianismo) encontramos citações aos evangelhos sinóticos, além de Atos, e
algumas epístolas. Paulo quando escreve a Timóteo, (5. 18) ao cita o evangelho
de Lucas (10.7) e o livro de Deuteronômio (25.4), conferindo a mesma autoridade
escriturística a ambos.
O
mais provável é que a maioria destas alterações tenha surgido como tentativa
dos escribas em melhorar o texto, fazendo correções ortográficas, gramaticais,
estilísticas e até mesmo exegéticas. Num período em que havia muitas heresias,
certas palavras poderiam gerar más interpretações. Assim os copistas para
guardar a essência do texto faziam alterações de certas palavras ou expressões,
algumas vezes mudando até mesmo o sentido. Jerônimo chega a reclamar que as
mudanças que os copistas realizam, acabam gerando mais erros.
Textos locais
Com
a expansão do Cristianismo várias cópias foram levadas a diversas regiões, cada
uma com as suas próprias variantes, e ao passarem pelo processo de cópia
mantinham as variantes e ainda eram adicionadas outras. Desse modo, os
manuscritos que circulavam numa localidade tendiam assemelhavam-se mais entre
si que os de outras localidades. Mesmo na mesma região era praticamente impossível
que houvesse dois textos exatamente iguais; todavia, certos grupos de
manuscritos poderiam assemelhar-se uns aos outros mais intimamente que a outros
grupos do mesmo texto local. Alguns textos poderiam se tornar mistos, quando os
manuscritos podiam ser comparados a outras cópias de outros lugares e
corrigidos por elas. A tendência era de não misturar os textos.
Texto Alexandrino
A
Alexandria superou Atenas, no período helenístico, tornando-se o centro de mais
importante de cultura do mediterrâneo. Quem nunca ouviu falar na Biblioteca de
Alexandria, com seus 700.000 volumes? Foi lá que os textos de Homero passaram
pela primeira tentativa de edição crítica. Zenódoto de Éfeseo, primeiro diretor
da biblioteca, comparou diversos manuscritos da Ilíada e da odisséia,em 274 a.C., tentando
restaurar o texto original. Sem dúvida, que esse cuidado acabou influenciando
os cristãos da região, fazendo com que eles procurassem a excelência no texto.
Faltava na região as reminiscências pessoais e a tradição oral, o que teria
aumentado a exigência quanto à exatidão do texto.
De
qualquer forma, o texto alexandrino é considerado o melhor texto, com
pouquíssimas modificações gramaticais ou estilísticas, cerca de 2% ou 3%.
Texto ocidental
Nas
regiões dominadas por Roma, desenvolveu-se outro tipo de texto, o chamado texto
ocidental, bem diferente nos evangelhos e principalmente em Atos, onde é quase
10% mais longo que a forma original, o que já fez supor a existência de duas
edições desse livro.
A
principal característica é o uso da paráfrase. Observa-se que palavras, frases
e até partes inteiras foram modificadas, omitidas ou acrescentas. O motivo
disso parece ter sido a harmonização, principalmente no caso dos evangelhos
sinóticos, ou mesmo, o enriquecimento da narrativa com a inclusão de alguma
tradição, envolvendo umas poucas declarações e incidentes da vida de Jesus e os
apóstolos.
Texto Cesareense
Provavelmente
tem origem no Egito, assim como o texto alexandrino, de onde teria sido levado
para Cesaréia por Orígenes.
Texto Bizantino
Possivelmente,
resultado da revisão de antigos textos locais feita por Luciano de Antioquia,
pouco do seu martírio no ano de 312.
Unificação textual
Com
a conversão de Constantino, em 312, entramos numa nova fase na história do Novo
Testamento, principalmente com Edito de Milão, no ano seguinte, colocando o
Cristianismo no mesmo patamar que qualquer outra religião do Império Romano,
ordenando que as propriedades da igreja que haviam sido confiscadas fossem
devolvidas. Com isso, houve um aumento considerável na circulação de textos
sagrados, que não mais corriam o risco de apreensão e destruição em praça
pública.
No
caso do texto, percebemos que uma maior integração dos cristãos possibilitou a
comparação de manuscritos e a obtenção de um tipo de texto que não tivesse
tantas variantes. E os textos locais foram pouco a pouco cedendo lugar a único
texto.
Possivelmente,
o primeiro tipo de texto a circular em Constantinopla talvez não tenha sido o
bizantino. Eusébio, em 331, foi encarregado por Constantino de preparar 50
cópias das Escrituras em pergaminho para as igrejas da nova capital. Eusébio
usava o texto cesarense, portanto, é provável que tenha sido esse o tipo de
texto primeiramente usado ali. É provável que essas cópias tenham sido submetidas
a correções com base no texto luciânico, até serem finalmente substituídas por
novas cópias essencialmente bizantinas, produzidas em algum escritório ou
mosteiro local. Tornou-se um procedimento muito comum.
A
Vulgata Latina, de Jerônimo, acabou predominando na Europa Ocidental. Não
significa, porém, que o texto de Luciano fosse desconhecido. Muitos manuscritos
greco-latinos trazem o texto bizantino, ainda que combinado com variantes da
Antiga Latina. Até a Vulgata acabou incorporando algumas formas bizantinas. No
século XVI, com a invenção da imprensa, os editores preocuparam-se com a
publicação do Novo Testamento grego, e o texto que utilizado o bizantino, e
continuou, com pequenas modificações, até o final do século XIX.
Tipos de variantes
Há
ainda a necessidade de conhecer a origem e natureza dos erros de transcrição
para que o trabalho se torne possível.
Alterações acidentais
Equívoco visual - alguns
erros foram cometidos ao confundir o copista certas letras com outras de grafia
semelhante.
Outro
tipo de equívoco visual é parablepse, que significa pular de uma palavra, frase
ou parágrafo para outro, devido a começos ou términos semelhantes, com a
omissão de palavras.
Além
dos equívocos chamados de ditografia, que são a repetição de uma sílaba ou
frase, ou parte de uma frase.
A
metátese, que é a transposição de fonemas no interior de um mesmo vocábulo ou a
transposição de vocábulos numa mesma frase.
Equívoco auditivo - quando
certas vogais e ditongos gregos vieram a ser pronunciados de maneira
praticamente idêntica, fenômeno conhecido como iotacismo, bem comum no grego
moderno.
Equívoco de memória - poderiam
variar desde a substituição de sinônimos, a inversão na seqüência de palavras,
quando a mente traía o copista.
Equívoco de julgamento - Quando
um copista se deparava com comentários diversos anotados na margem do
manuscrito que lhe estivesse servindo de modelo e não dispusesse de outras
cópias para efeito de comparação, poderia incluí-lo no texto julgando que de
fato devessem estar ali. Por exemplo, um manuscrito do século XIV, há um
exemplo de erro de julgamento. O modelo do qual foi copiado o evangelho de
Lucas deveria trazer a genealogia de Jesus (3. 3-28) em duas colunas paralelas
de 28 linhas cada. Todavia, ao copiar o texto seguindo a ordem das colunas, o
escriba o fez seguindo a ordem das linhas, passando de uma coluna para outra.
Como resultado, praticamente todos os filhos tiveram seus pais trocados.
Alterações intencionais
Harmonização textual e litúrgica - o copista se sentia tentado a harmonizar os
livros que apresentassem passagens paralelas, um pouco divergentes.
Principalmente nos evangelhos sinóticos, com muitos textos sendo alterados para
uma narrativa mais unificada possível.
É
interessante notar que muitas citações do Antigo Testamento eram feitas sem
muito rigor pelos apóstolos, e copistas procuravam adaptar à Septuaginta (LXX -
tradução do Antigo Testamento para o grego, feita por hebreus).
Alguns
textos eram adaptados para ser lidos publicamente nos serviços de culto, e tais
arranjos influenciaram a própria transmissão do texto. O exemplo mais claro é o
da Oração do Senhor (Mateus 6. 9-13), cuja doxologia “pois teu é o reino, o
poder e a glória para sempre. Amém.”, foi acrescentada para o uso litúrgico,
acabou sendo incorporada no texto de muitos manuscritos.
Correção ortográfica, gramatical e estilística - A maioria das alterações ortográficas nos
manuscritos bíblicos ocorreu devido à falta de qualquer padronização oficial e
à influencia de vários dialetos, assim inúmeros termos gregos acabaram tendo
formas diversas na soletração, principalmente os nomes próprios.
Correção histórica e geográfica - Alguns escribas tentaram
harmonizar o relato do Evangelho de João da cronologia da Paixão de Cristo com
a de Marcos, mudando a “hora sexta” (João 19.14) para a “hora terceira” (Marcos
15.25).
Correção exegética e doutrinária - Algumas vezes o copista
se deparava com uma passagem de difícil interpretação, assim ele tentava
completar-lhe o sentido, tornando-a mais exata, menos ofensiva ou obscura.
Interpolação de notas marginais, complementos naturais e tradições
- A inclusão de textos marginais ao corpo textual como
apontamentos, correções, interpretações, reações pessoais e mesmo informações
gerais quanto ao texto era comum.
Note-se
que certas palavras ou expressões que aparecem juntas no texto bíblico ou no
uso habitual da Igreja, e a falta de uma delas numa ou noutra passagem levava o
copista a acrescentá-la, são os chamados complementos naturais.
Conforme
já foi dito, os críticos têm demonstrado que as variantes têm pouca ou nenhuma
importância. De qualquer modo, os fatos do Novo Testamento que dizem respeito à
fé e à moral são expressos em muitos lugares, o fundo doutrinário fica
obscurecido, nem pouco alterado, pelas passagens criticamente incertas. Podemos
afirmar com toda a certeza científica que o texto dos cristãos, se não
criticamente, foi conservado doutrinariamente incorrupto.
O texto impresso
Entre
os séculos XV e XVI, entramos numa nova fase na história do Novo Testamento.
Primeiramente a imprensa tornou os trabalhos de reprodução mais rápidos e
baratos, além de acabar de uma vez com a multiplicação dos erros de
transcrição. Assim, as cópias passaram a ser feitas com muito mais agilidade e
precisão, exatamente como haviam sido escritas, salvo raras exceções, a maioria
das quais de erros tipográficos de menor importância.
Um
segundo fator que ajudou a levar o texto neotestamentário a essa nova fase de
desenvolvimento e sistematização foi o movimento renascentista, com sua ênfase
nos valores artísticos e literários do homem, que acabou fazendo despertar na
Europa um grande interesse pela cultura grega clássica. Conseqüentemente os
estudiosos cristãos também começaram a valorizar os manuscritos gregos do Novo
Testamento, revisando a Vulgata.
Primeiras edições
Apesar
da impressa, a publicação do Novo Testamento em grego não saiu imediatamente. O
primeiro produto representativo da tipografia foi justamente a Bíblia, a
Vulgata de Jerônimo, em dois volumes, entre 1450 e 1455. Nos 50 anos seguintes,
pelo menos cem edições da Vulgata ainda foram preparadas por várias casas
editoras da Europa.
Para
a língua portuguesa, temos em 1495, em Saragoça, a publicação das epístolas
paulinas e dos evangelhos. Naquele ano, em Lisboa, foi publicada, em quatro
volumes, uma harmonia dos evangelhos. O Novo Testamento completo saiu em 1681,
em Amsterdã, já na versão de João Ferreira de Almeida. A Bíblia completa em
português foi publicada em 1753, na Holanda, depois que Jacó den Akker haver terminado
a tradução do Antigo Testamento, parada com a morte de Almeida, em 1691, no
texto de Ezequiel 48.12.
O
cardeal e arcebispo de Toledo Francisco
Ximenes de Cisceros (1437-1517),
foi o responsável de promover e organizar a primeira impressão do texto grego
do Novo Testamento, como parte da chamada Bíblia Poliglota Complutense.
Erasmo
de Roterdã (1469-1536), escritor e humanista holandês, produziu, em 1516, o
primeiro Novo Testamento grego que chegou ao domínio público, sendo beneficiado
com o atraso na divulgação da obra de Ximenes.
O Texto Recebido
Quando
o Novo Testamento grego de Erasmo chegou ao público ocorreram diversas reações.
De um lado houve ampla aceitação, tanto que ele preparou uma nova edição, e a
tiragem total das edições de 1516 e 1519 alcançou 3300 exemplares. A segunda
edição, agora intitulada Novum
Testamentum, foi a que serviu
de base da tradução alemã de Martinho Lutero. De outro lado, a obra foi
recebida com grande preconceito e até com hostilidade. Três fatores
contribuíram para isso: 1) as diferenças que havia entre sua nova tradução
latina e a consagrada Vulgata; 2) as longas anotações, que justificava sua
tradução e 3) a inclusão, entre as notas, de comentários sobre a vida
desregrada e corrupta de muitos sacerdotes. Clérigos protestaram fazendo uso
dos púlpitos, conseqüentemente Universidades, como as de Cambridge e Oxford,
proibiram seus alunos de lerem os escritos de Erasmo, e os livreiros de os
venderem.
Dentre
as críticas levantadas contra Erasmo, uma das mais sérias veio da parte de
Lopes de Stunica, um dos editores da Poliglota Complutense, que o acusou de não
incluir no texto de 1 João 5.7 e 8 a Coma Joanina. Erasmo replicou que não
havia encontrado nenhum manuscrito grego que a contivesse, e prometeu que a
incluiria em suas próximas edições se apenas um único manuscrito grego
trouxesse a passagem. Um manuscrito foi-lhe trazido, e Erasmo cumpriu sua
promessa na terceira edição, de 1522, todavia numa longa nota marginal, ele
suspeita do manuscrito como sendo preparado para confundi-lo. Para alguns
críticos esse manuscrito parece ter sido falsamente preparado em Oxford, em
1520, por um frade franciscano chamado Froy, extraído da Vulgata Latina.
Edições Intermediárias
Em
seguida, temos a preocupação em reunir variantes textuais e estabelecer os
princípios de um trabalho textual mais científico, baseado em pesquisas
progressivas dos manuscritos gregos, das versões e da literatura patrística. O
contexto agora era outro, os estudiosos tinham lutar contra o movimento
racionalista, que encontrara no deísmo sua expressão religiosa. Defendendo a
existência de uma religião natural, onde a verdade só podia ser alcançada pela
razão e pelo método científico, o deísmo encarava as Escrituras como um simples
manual ético de origem humana, e colaborou, entre outras coisas, para que sua
pureza textual fosse questionada. Os pesquisadores cristãos surgiram nos
principais países europeus em defesa do cristianismo histórico e da integridade
textual da Bíblia. E, no esforço por provar que o Novo Testamento que dispunham
era exatamente àquilo que os autores originais haviam escrito, tiveram também
de defrontar-se com o Texto Recebido, no qual os problemas tornaram-se ainda
mais graves.
Os
críticos, por dois séculos, vasculharam bibliotecas e mosteiros na Europa e em
todo o mundo mediterrâneo procurando material que pudesse ser útil. Todavia,
continuaram a publicar o Texto Recebido, submetendo-se a ele. Ele era um texto
já tradicional e reverenciado por todos, e ninguém se aventuravam a
modificá-lo, sob o risco de censura ou até de disciplina eclesiástica.
Durante
esse período não ocorreu qualquer progresso real no texto grego do Novo
Testamento que estava sendo publicado. Todavia, as muitas variantes que se
tornaram conhecidas mediante o progressivo e acurado exame dos manuscritos, o
início de sua classificação de acordo com as famílias textuais e o
desenvolvimento das teorias críticas ofereceram a base necessária para que tal
progresso se concretizasse no período seguinte. Nos confrontos entre os
partidários do Texto Recebido e os que estavam acreditavam na superioridade dos
manuscritos mais antigos, a vitória dos últimos estava garantida. As evidências
acumuladas tornavam evidente que o texto precisava ser corrigido, para o
próprio bem do cristianismo histórico, principalmente por causa dos ataques
racionalistas. Contudo, o reinado do Texto Recebido estava chegando ao fim. Os
princípios que permitiriam essa conquista já estavam praticamente estabelecidos
e necessitavam apenas ser aprimorados.
Edições Modernas
No
século XIX, a predominância do Texto Recebido foi finalmente interrompida. Os
esforços dos pesquisadores nos dois séculos anteriores fizeram com que a
crítica textual realmente se tornasse uma ciência. A distribuição dos
manuscritos nos diferentes grupos permitiu que os muitos documentos começassem
a ser organizados e que a história da tradição manuscrita fosse reconstruída,
levando ao desenvolvimento sistemático de metodologias e ao tratamento mais
científico das inúmeras variantes. Apesar dos críticos ainda divergirem com
relação às teorias, todos buscavam um texto que estivesse o mais próximo
possível do original e, nesse novo período, rompendo com o Texto Recebido.
Surgindo o texto crítico e, com ele, o período moderno da crítica textual do
Novo Testamento.
Conclusão
Depois
de quase 500 anos de história do texto do Novo Testamento e das mais de mil
edições surgidas desde século XV com Erasmo, dos vários estudos, os editores
críticos de um modo geral concordam com o texto crítico moderno e apenas um
grupo bem pequeno de variantes é contestada. E mesmo que surja uma edição nova
com muitas variantes, já está mais ou menos claro que o Novo Testamento grego
está muito próximo dos textos primitivos originais. O chamado Texto Recebido
foi abandonado pela maioria dos estudiosos, que defendiam como a forma mais
próxima do original.
Apesar
dos erros dos copistas, a integridade do texto foi mantida. Sua coerência
interna é uma evidência muito forte. A Crítica Textual tem demonstrado que a
Palavra de Deus fala hoje com a mesmo eloqüência que falava no período
apostólico. Podemos pegar a Bíblia sem medo e dizer seguramente que é a Palavra
de Deus transmitida na sua essência através dos séculos.
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FONTE:
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