AS RELIGIÕES E A HOMOSSEXUALIDADE
Descubra
como cada uma das maiores crenças do mundo e do Brasil tratam a questão
Hinduísmo
Antiga e múltipla, a religião diverge muito no assunto.
Muitos hindus consideram a homossexualidade uma das diversas formas de amor.
Outras tradições, citando os textos do Código de Manu, afirmam que é crime
punível. Há deuses que mudam de sexo, templos com figuras em atos sexuais com
seus iguais, e até no livro Kama Sutra aparecem relatos de relações entre
homens. A crença no carma ajuda a explicar a existência de gays
Catolicismo
Durante a Inquisição, os homossexuais eram queimados vivos,
apesar de serem conhecidos no período muitos papas com parceiros sexuais. A
questão voltou à tona no início do século 21 com denúncias de clérigos abusando
sexualmente de meninos e adolescentes em todo mundo. O papa Francisco sinalizou
em 2013 uma posição mais receptiva em relação aos fiéis gays, mas a Igreja
segue expulsando padres que saem do armário
Protestantismo
Inicialmente, seguiu a tradição católica de condenar. Mas,
como um de seus princípios é o direito à livre interpretação da Bíblia, deu
margem ao surgimento da teologia inclusiva nos anos 1960. Os primeiros países a
legalizarem o casamento gay foram Dinamarca e Holanda, de maioria protestante.
Nos EUA e no Brasil, grupos evangélicos fundamentalistas fazem oposição aos
avanços civis dos gays, mesmo após sua legalização
Islamismo
O Alcorão, livro sagrado da fé, condena. Nos países de
maioria muçulmana, a homossexualidade é criminalizada (exceção apenas da
Bósnia). Em sete deles, há a pena de morte (Catar, Irã, Mauritânia, Arábia
Saudita, Sudão, Emirados Árabes e Iêmen). Surgiram grupos formados por
imigrantes islâmicos nos EUA e Reino Unido que defendiam os devotos gays, mas
logo receberam ameaças de morte de setores fundamentalistas
Judaísmo
Os ortodoxos e os conservadores consideram o ato homossexual
uma "abominação" baseados em trecho do Levítico, o mesmo livro citado
por cristãos tradicionais. Já os progressistas acham a prática aceitável e
permitem desde 2007 que homossexuais se tornem rabinos. Setores reformistas
celebram também casamentos gays. Em Israel, as paradas do orgulho LGBT costumam
ser hostilizadas por grupos ultraortodoxos
Espiritismo
Como um espírito humano não tem sexo e pode ter várias
encarnações, pode-se habitar um corpo de homem ou de mulher e amar pessoas do
mesmo gênero. Não existe uma posição oficial sobre a homossexualidade. A
maioria dos doutrinadores prega que a questão mais importante é a
promiscuidade, que tanto heteros como gays devem evitar. O julgamento é baseado
na conduta moral, não na orientação sexual
Rituais afro-brasileiros
Marginalizados historicamente, os gays e as religiões de
matriz africana convivem há muito tempo. Há divindades andrógenas ou de caráter
bissexual. Sempre existiram homossexuais entre seus líderes religiosos. São
consideradas mais tolerantes que religiões monoteístas, mas alguns pais de
santo proíbem comportamentos homossexuais em seus terreiros. Há uma associação
entre homossexualidade e possessão ritual
Budismo
Nenhum discurso de Buda fala em homossexualidade. Porém,
essa fé ensina que qualquer tipo de atividade sexual é uma distração
desnecessária. Os monges devem ser celibatários. No Oriente, um budismo tardio
considera a homossexualidade uma má conduta para o leigo, assim como o
adultério e o incesto, e atribui esse comportamento a um carma de vidas
passadas. No Ocidente, o budismo é mais liberal, evitando julgar os gays
Hinduísmo
Antiga e múltipla, a religião diverge muito no assunto.
Muitos hindus consideram a homossexualidade uma das diversas formas de amor.
Outras tradições, citando os textos do Código de Manu, afirmam que é crime
punível. Há deuses que mudam de sexo, templos com figuras em atos sexuais com
seus iguais, e até no livro Kama Sutra aparecem relatos de relações entre
homens. A crença no carma ajuda a explicar a existência de gays
Catolicismo
Durante a Inquisição, os homossexuais eram queimados vivos,
apesar de serem conhecidos no período muitos papas com parceiros sexuais. A
questão voltou à tona no início do século 21 com denúncias de clérigos abusando
sexualmente de meninos e adolescentes em todo mundo. O papa Francisco sinalizou
em 2013 uma posição mais receptiva em relação aos fiéis gays, mas a Igreja
segue expulsando padres que saem do armário
AIgreja Cristã Contemporânea não adotou a discrição e por
isso foi batizada pela imprensa carioca de "catedral gay". Inaugurada
em 2015, ela ocupa toda uma esquina no bairro de Madureira, zona norte do Rio,
onde antes existia um cinema e tem capacidade para 800 pessoas. É um cenário
bem diferente do local anterior, um acanhado sobrado no bairro da Lapa,
tradicional reduto homossexual no centro do Rio.
"Estamos abertos para as pessoas que se sentem
excluídas. O próprio Jesus esteve ao lado delas, da mulher adúltera, do cego,
do leproso. Ele veio ao mundo quebrar algumas leis", argumenta o pastor
Fábio Inácio de Souza, líder da denominação, que é casado com outro pastor. A
Contemporânea tem 3.000 seguidores em três Estados (São Paulo, Minas e Rio).
Em São Paulo, os templos inclusivos se ergueram na Santa
Cecília, bairro de intensa vida gay. Foi lá que, em 1998, surgiu a primeira
igreja LGBT do Brasil. A Acalanto foi fundada pelo religioso chileno Victor
Orellana, criado em uma família metodista e ordenado pastor da Assembleia de
Deus antes de sair do armário. Atualmente, o bairro é a "santa sede"
de outras três denominações.
Uma delas é a Comunidade Nova Esperança, que foi fundada em
2004 e tem 17 unidades em todo o país. Seu primeiro local ficava em cima de um
sex shop. "A gente conseguiu muitos fiéis deixando folhetos no balcão do
nosso vizinho", lembra rindo o pastor Justino Oliveira da proximidade
entre o sagrado e o profano por ali.
Hoje, tem até uma filial da igreja em Pisa, na Itália, onde
vive um grande número de travestis brasileiros. Em São Paulo, também foi criado
um ministério para atrair travestis e transexuais. A responsável para
arrebanhar almas é a cabeleireira trans Jacque Chanel.
Eu recebo na catedral seres humanos. Aqui não tem Inmetro.
Temos uma visão pluralista do mundo
Aldo Quintão, reverendo da igreja anglicana
Simultaneamente ao crescimento das igrejas inclusivas, nas
crenças tradicionais surgiram os programas para a chamada "cura gay".
O caso do carioca Sérgio Viula é exemplar. Agora, ele se define como um
"ex-ex-gay". Após uma infância com severa formação católica e
experiências homossexuais na adolescência, ele virou evangélico aos 16 anos,
ficou casado com uma amiga durante 14 anos, teve duas filhas, fez duas
pós-graduações em teologia e atuou como pastor batista por nove anos.
Viula liderou por três anos o Moses, grupo que pretendia
ajudar pessoas a deixarem práticas homossexuais. Eles distribuíam panfletos em
paradas LGBT para atrair gays angustiados com sua orientação. Após esse tempo,
abandonou o grupo afirmando que o trabalho não funcionava, só causava neurose
nas pessoas, se assumiu gay e deixou a igreja. "Nós não fazíamos, mas tem
igrejas que mantêm clínicas de recuperação, misturando viciados e homossexuais
e aplicando as mesmas técnicas de abstinência e terapia ocupacional",
relata Viula. "Isso só causa depressão e tentativas de suicídio",
completa.
A ciência deixou de tratar a homossexualidade como doença
desde a década de 1970. Antes, vários cientistas tentaram métodos como
lobotomia, hipnose, extenuação física e até remédios indutores de vômito
durante exibição de cenas de sexo entre homens. Em 1990, a OMS (Organização
Mundial de Saúde) retirou da lista de enfermidades. Mas a partir daí muitas
igrejas começam a tratar a questão como um problema da alma, com retiros,
orações e súplicas.
radicionalmente, as igrejas ensinam que os convidados para a
festa do céu são os celibatários e heterossexuais (monogâmicos, de
preferência). Para os gays, está reservado um lugar no quinto dos infernos. A
única solução possível é abraçar o poder místico de Deus e renunciar a todo
desejo sexual (pelo menos, aquele que eles acham natural). Se a fé move
montanhas, ela não muda o desejo físico de uma pessoa - só o comportamento
externo.
"A moral católica é estabelecida por homens
celibatários que vestem roupas coloridas e túnicas brilhantes de vermelho
púrpura dos cardeais, usam anéis enormes com ouro e rubis e, sem mulheres ou
filhos, estabelecem o que seria o padrão da masculinidade e das famílias ditas
normais", ironiza Karnal.
O revelador é que a homossexualidade é anterior ao
monoteísmo, à Bíblia e a Jesus. Os judeus, quando começaram as escrituras
sagradas, criticaram as crenças politeístas estabelecidas na Babilônia e no
Egito, onde foram levados como escravos. Vários deuses desses impérios eram
andrógenos ou bissexuais. A homossexualidade era até ritualística em tradições
da Europa e do Oriente Médio, antes que o Deus onipotente e onipresente
entrasse na concorrência de corações e mentes. São justamente esses trechos da
Bíblia que descrevem os ritos pagãos que os líderes fundamentalistas usam em
suas cruzadas.
Jesus não diz uma única palavra contra a homossexualidade e,
num mundo onde isto seria muito estranho, Jesus não casa, não tem descendentes
e só anda com homens
Leandro Karnal, historiador especializado em religião
O instituto de pesquisa norte-americano Barna Group, fundado
por cristãos, fez um levantamento com jovens de 16 a 29 anos que não frequentam
igreja. A pergunta era: qual é a primeira palavra que vem à mente sobre as
igrejas evangélicas? "Antigay" foi a resposta de 91% deles. A porcentagem
não foi muito diferente entre jovens crentes: 80% responderam o mesmo.
No Brasil, o cenário se parece, afinal, a polêmica é
decalcada do modelo norte-americano, com fundamentalistas cristãos de um lado e
militantes LGBT de outro, em uma batalha moral, política e comercial. Os
pastores tradicionalistas fazem uma interpretação literal da Bíblia e citam
trechos do Gênesis, Levítico, Romanos e Coríntios para condenar os gays. Também
classificam como "contorcionismo teológico", "promiscuidade
simbólica" ou "sincretismo moral" as teorias inclusivas.
"O que muda o discurso religioso são os avanços
sociais. A igreja se vê obrigada a se adaptar ou ela morre", define o
reverendo Cristiano Valério, líder da filial brasileira da primeira igreja
inclusiva do mundo. Os religiosos revisionistas criticam a leitura ao pé da
letra do livro sagrado e afirmam que as proibições devem ser contextualizadas,
afinal, algumas passagens foram escritas há mais de 3.000 anos. O Levítico, por
exemplo, proíbe a homossexualidade junto com ingestão de carne de porco, ficar
bêbado e ser médium.
Os inclusivos focam em trechos mais solidários da Bíblia,
como o "amai-vos uns aos outros". Sua leitura se aproxima da Teologia
da Libertação, que utiliza o Evangelho como instrumento de justiça social,
resgate da dignidade e da vivência em comunidade. "Creio que os
inclusivistas trazem uma nova visão do ensinamento bíblico e de boa fé. Ninguém
pode negar que entre pessoas do mesmo sexo possa haver amor. Se há amor, aí há
algo de Deus, que se autodefiniu como amor", afirma Leonardo Boff, que em
sua época de frade franciscano ajudou na criação da Teologia da Libertação.
A fé é a reação do homem diante do mistério, do inexplicável
no mundo. E, apesar de tão humana quanto a orientação de ser hetero, a
homossexualidade não tem uma explicação única e infalível. Um conjunto de
fatores genéticos, psicológicos e sociais influenciam, mas não há consenso
sobre qual é o mais importante. A razão, porém, não interessa para a questão. O
que importa é a pacificação e reconciliação das almas. "Eu falo como uma
miss: quero a paz no mundo", se diverte Edvaldo Batista, que costuma se
vestir de drag queen nas cerimônias da igreja Metropolitana para deixar seus
paroquianos em estado de graça.
O papa Francisco tem se posicionado de uma forma acolhedora.
Suas palavras e ações nos levam a uma prática menos moralista, mais solidária e
fraterna
José Trasferetti, padre e teólogo católico
Ograu de abertura das igrejas em relação ao público LGBT é
medido pelas seguintes ações: aceitar o fiel, formar grupos de acolhida,
celebrar casamentos e ordenar líderes religiosos. A Igreja Católica deu o
primeiro passo, timidamente. No Brasil, há grupos como o Diversidade Católica,
que aconselha o devoto e sua família em conflito. Alguns encontros são feitos
dentro de igrejas, mas não é uma iniciativa oficial.
O padre e o teólogo José Trasferetti queria criar uma
pastoral para o público LGBT, como há pastorais para presos, migrantes,
operários e tantos outros grupos. A proposta ficou no vazio. "A
evangelização, a educação na fé, o acolhimento nas igrejas deve ser obra de
todos. Ninguém pode ser discriminado por razões de orientação sexual",
opina o padre.
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Além das igrejas que já nasceram inclusivas, denominações anglicanas
e luteranas foram as que mais avançaram, ordenando pastores e bispos assumidos.
A mudança gerou cisões dentro dessas igrejas, mas a divisão é a dinâmica da fé
cristã desde o tempo dos 12 apóstolos.
"Eu vejo uma revolução na fé. Nós estamos entrando em
uma terceira reforma do cristianismo", se entusiama José Mário Brito. Ele
foi seminarista para ser padre católico, mas se afastou da religião após se
assumir. Sentindo falta da mensagem divina, entrou na igreja evangélica Nova
Esperança e canta na banda do templo ao lado de seu namorado.
O livro "Entre a Cruz e o Arco-Íris", da
jornalista Marília de Camargo César, retrata o mais recente conflito dentro da
religião, contando várias histórias tocantes de cristãos que lutaram contra sua
orientação sexual, com jejuns, orações e vida missionária, mas que, ao assumir
a homoafetividade, foram rejeitados e criticados por "não ter se esforçado
para mudar". Marília considera que as igrejas se movem lentamente no
assunto. "Um pastor amigo, um tradicional, que foi fazer um curso em São
Francisco (EUA), me disse que ali as igrejas que não aceitam irmãos
homossexuais não sobrevivem", conta Marília.
Quando o mercado da fé terá esse cenário em outros países,
como o Brasil? Só Deus sabe.
Fonte: Rodrigo Bertolotto - Repórter do UOL Notícias. Não
tem religião e não é gay, mas acha tudo isso divino e maravilhoso, em todos os
sentidos. (https://tab.uol.com.br/gays-e-religiao)
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