EXEGESE DO NOVO TESTAMENTO
1.
INTRODUÇÃO
O termo
exegese deriva-se da palavra grega “exegesis” que tanto pode
significar apresentação, descrição ou narração como explicação e interpretação.
Quanto à etimologia podemos entender exegese literalmente como "conduzir
para fora de". Portanto, o uso da exegese possibilita ao estudante de
teologia extrair dos textos bíblicos seu verdadeiro significado, apesar da
distância de tempo e espaço e das diferenças culturais que nos separam.
Para
sustentar o alicerce da interpretação usa-se a hermenêutica como metodologia da
exegese bíblica. A palavra “hermenêutica” origina-se do verbo grego “hermeneuein”
cujo significado é igual ao da
exegese, ou seja, “interpretar”. Contudo, deve-se deixar claro a diferenciação
entre um termo e outro. A hermenêutica bíblica designa os princípios que regem
a interpretação dos textos; a exegese descreve as etapas ou os passos que cabe
dar em sua interpretação. Em síntese, a hermenêutica apresenta as regras e a
exegese é a prática destas regras.
Uma outra
concepção comumente reconhecida no meio acadêmico é a diferença entre o
biblista e o exegeta. O "biblista" é aquele que apesar de conhecer os
textos bíblicos, não aplica as ferramentas de interpretação à sua leitura e
freqüentemente ensina e transmite sua "opinião" ou "experiência
pessoal". O "exegeta", por outro lado, é aquele que além de ser
conhecedor dos textos bíblicos, aplica as ferramentas de interpretação e ensina
exatamente aquilo que o "texto diz" e não aquilo que ele “acha” ou
“pensa”.
Diante destas
conceituações e com o propósito de evitar as “falácias” - interpretação
superficial ou equívocada da bíblia - este ensaio indica o caminho a ser
percorrido no uso das ferramentas interpretativas para a aplicação de uma boa
exegese.
2. AS
TAREFAS DA EXEGESE
Dentro do
contexto teológico, a ênfase da exegese recai sobre a interpretação de modos
formais de explicação que podem ser aplicados ao texto bíblico. UWE WEGNER (2001),
divide as tarefas da exegese em três aspectos principais: primeiro -
Redescobrir o passado bíblico, tornando-o compreensível para a nossa
época; segundo - Entender a intenção que o texto teve em sua
origem e;terceiro - Verificar em que sentido opções éticas e
doutrinais podem ser respaldadas biblicamente para a atualidade. Vejamos alguns
exemplos práticos:
2.1 Redescobrindo
o passado bíblico
a)
"Quem poderá se salvar?" Lemos em Mt 19.24-25 o seguinte: "...
é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no
reino de Deus. Ouvindo isto, os discípulos ficaram grandemente maravilhados e
disseram: Sendo assim, quem pode ser salvo?
Como explicar a
admiração dos discípulos quando Jesus asseverou a dificuldade de salvação do
homem rico? Naquela época a teologia corrente ensinava que a riqueza era uma
demonstração da benevolência de Deus. Ora se os ricos que são abençoados por
Deus dificilmente serão salvos, então quem poderá se salvar? Assim,
redescobrindo o passado bíblico, podemos melhor explicar e compreender a
admiração dos discípulos.
b)
“Qual a relação do orvalho do Hermom com a União?” Pérola 1.
"Oh! Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união! ...Como o
orvalho do Hermom, que desce sobre os montes de Sião; porque ali o SENHOR
ordena a bênção e a vida para sempre. (Sl 133).
Se desconhecermos a
geografia bíblica, não compreenderemos o brilhantismo desta mensagem. Na terra
árida da Palestina, o orvalho é sinal de vida e garante, apesar da falta de chuva,
uma boa colheita. O verso três do Salmo em apreço mostra uma situação da
geografia e do clima de Israel. Hermom está localizado na fronteira nordeste de
Israel e é coberto de neve, abaixo dele fica uma planície com montes menores.
Essa região é muito seca e vive constantemente desértica.
Em determinadas
épocas, devido ao calor, o gelo do pico do Hermom se derrete, na medida em que
se derrete ele escorre montanha abaixo, fazendo transbordar as nascentes do
Jordão. Com o descongelamento do gelo e a produção de água exposta ao calor,
formam-se nuvens que se transformavam em chuvas. Quando a chuva rega a terra e
molha o deserto, as sementes e raízes que estão ali começam a brotar.
Assim, a secura
desaparece e a terra torna a ser produtiva e a "bênção" e a
"vida" são ordenadas novamente. E é desta forma que o salmista
compara a união entre irmãos como o orvalho de Hermom. E é assim que deve ser
entendida. Enquanto houver união e amor a bênção do Senhor estará sempre
presente. A união fraternal deve ser como esse orvalho do Hermom, precisa ser
transformador. Uma atitude restauradora tem a ver com a restauração de
relacionamentos que estavam mortos; verdadeiros desertos, porém quando tocados
pelo amor fraternal se transformam em verdejantes e floridos.
2.2 Entendendo
a intenção do texto
a)
"Será que Zaqueu era ladrão?" Em Lc 19.8, lemos o
seguinte: "seem alguma coisa tenho defraudado alguém, o restituo
quadruplicado".
De acordo com a
tradução em português ninguém pode afirmar que o publicano Zaqueu era ladrão,
pois a conjunção "se" é condicionante. No entanto, o exegeta, ao
verificar o texto grego descobre que a conjunção grega "ei"
deve ser traduzida como: "já que" ou "visto que" em lugar
do termo "se". Assim, exegeticamente, podemos afirmar que Zaqueu era
corrupto.
b) “Será
que Jesus estimulou a má educação? "E não leveis bolsa, nem
alforje, nem sandálias; e a ninguém saudeis pelo caminho"
(Lc10.4).
Estas expressões de
Jesus não devem ser dogmatizadas para a prática da má educação. Jesus não estava
ensinando isso. Acontece que as saudações na época eram prolongadas. Em resumo
devia-se inclinar o corpo um pouco para frente, com a mão direita sobre o lado
esquerdo do peito. Assim, o ensino de Cristo aqui, é acerca de remir o
tempo; "...a noite vem, quando ninguém pode trabalhar"
(Jo 9.4b).
2.3 Verificando
bases éticas e doutrinais
a) "As mulheres
não podem falar na igreja?" Em 1Co 14.34-35 lemos: “as
mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar; mas
estejam submissas como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa,
perguntem em casa a seus próprios maridos; porque é indecoroso para a mulher o
falar na igreja”.
Usando 1Co
14.34-35, um biblista poderá argumentar que as mulheres devem sempre manter
silêncio na igreja. O exegeta, no entanto, descobrirá que este é um argumento
baseado em um tratamento seletivo da evidência,
pois Paulo diz três capítulos antes, que sob certas condições as mulheres podem
falar na igreja (1Co 11.2-16). Deste modo, segundo CARSON (1999) a exigência de
silêncio por parte das mulheres não traduz um conflito incompatível com 1Co
11.2-16, onde vemos que, sob certas condições, as mulheres tem permissão para
orar e profetizar, porque o silêncio mencionado em 1Co 14.34-35 está limitado
pelo contexto: as mulheres devem conservar-se caladas quando há avaliação de
profecias, à qual o contexto se refere; de outra forma, elas estariam assumindo
um papel de autoridade doutrinária na congregação.
3. OS
MÉTODOS DA EXEGESE
Os métodos mais
conhecidos são o fundamentalista, o estruturalista e
ohistórico-crítico. Apresentamos uma síntese de cada um destes três
métodos:
3.1 O
Método Fundamentalista
Originou-se nos
Estados Unidos após a Primeira Guerra Mundial. Seu objetivo era o de
salvaguardar a herança protestante ortodoxa contra a postura crítica e cética
da teologia liberal. Esse método tende a absolutizar o sentido literal da Bíblia.
Seu aspecto
positivo reside na seriedade com que encara a revelação de Deus, a inerrância
bíblica, o nascimento virginal de Cristo, a ressurreição corpórea, a expiação
vicária e a historicidade dos milagres.
3.2 O
Método Estruturalista
É empregado como
análise sincrônica da Bíblia. Enxerga o texto como estrutura e organização que
produz sentido para além da intenção do seu autor. Este método procura
responder as seguintes perguntas: “Como funciona o texto? Como produz seu
sentido? Que se passa no texto em si?”
Como aspecto
positivo destaca-se que o estruturalismo educa para uma leitura atenta do modo
como o texto foi escrito (análise literária) e o que realmente está escrito no
texto (análise das formas). Não obstante é um método de difícil assimilação,
alto grau de complexidade e que apresenta propostas bastante diversificadas.
3.3 O
Método Histórico-Crítico
É o mais usado em
análises diacrônicas da Bíblia. Surgiu como uma crítica contra a interpretação
alegórica da Bíblia na Idade Média, em favor, sobretudo, de um aprofundamento
do seu sentido literal. Trabalha com fontes históricas procurando acompanhar a
evolução histórica dos diversos estágios que formaram estas fontes.
O método
caracteriza-se por ser racional e questionador. UWE WEGNER (2001) citando Troeltsch fundamenta
os princípios que regem as análises históricas em três pressupostos principais:
a crítica, a analogia e a correlação. A aplicação desses pressupostos às
tradições bíblicas e teológicas, implica uma revolução do nosso modo de pensar
em relação à Antiguidade e à Idade Média.
4.
PASSOS EXEGÉTICOS
Os passos
exegéticos utilizados neste ensaio pertencem ao “Método Histórico-Crítico”
e possui como base bibliográfica o Manual de Metodologia de UWE WEGNER (2001).
De forma
simplificada estes passos podem ficar restringidos ao número de oito. Estes
oito passos devem ser seguidos dentro de um mesmo texto bíblico. No entanto,
trazemos a análise exegética com exemplos de textos diversificados, meramente,
a título de ilustração.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERGER, Klaus. As Formas
Literárias do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1998.
CARSON, D. A. A Exegese e
suas Falácias. São Paulo: Vida Nova, 1999.
CESAREIA, Eusébio. História
Eclesiástica. Rio de Janeiro: CPAD, 1999.
LIMENTANI, Giacoma. O
Midraxe. São Paulo: Paulinas, 1998.
MARTINEZ, J.M. Hermenêutica
Bíblica: Como Interpretar las Sagradas Escrituras. Barcelona:
CLIE, 1984.
MOULTON, K. Harold. Léxico
Grego Analítico. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.
PAROSCHI, Wilson. Crítica
Textual do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1993.
WEGNER, Uwe. Exegese do Novo
Testamento. Manual de Metodologia.São Leopoldo: Sinodal, 2001.
ZABATIERO, Julio. Manual de Exegese. São
Paulo: Hagnos, 2007.
Fonte:
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